Como o alvinegro foi usado por john textor na compra do lyon
Ascensão, glória e incerteza: os bastidores da SAF do Botafogo - parte 2
Ascensão, glória e incerteza: os bastidores da SAF do Botafogo - parte 2
Quando a queda de braço entre John Textor e seus sócios da Eagle Football Holdings, em razão da crise no Lyon chegou à Justiça, uma série de documentos anexados ao processo trouxe à tona detalhes até então nunca revelados sobre a SAF do Botafogo. Na Parte 2 da série, o GLOBO mostra como o clube carioca abriu mão de proteções para atender aos interesses do empresário, o que permitiu que o americano pusesse a SAF alvinegra como garantia para comprar o Lyon, levando o clube ao centro do imbróglio. Um movimento polêmico, que acabou ofuscado pelo ano glorioso de 2024, com a conquista da sonhada e inédita Libertadores e do título brasileiro.
A criação da SAF foi oficializada em janeiro de 2022, quando 97% dos sócios presentes na Assembleia Geral aprovaram a venda para Textor. O contrato estabelecia os aportes e responsabilidades do investidor e garantia mecanismos de proteção ao Botafogo associativo diante do risco de descumprimento das obrigações. Textor adquiriu 90% das ações da SAF, enquanto o clube social ficou com 10%. Além de aportar R$ 50 milhões antes da assinatura, o americano se comprometeu a investir outros R$ 350 milhões em quatro parcelas ao longo de 36 meses.
Dentre as séries de proteções, o documento estabelecia restrições caso um acionista desejasse usar suas ações como garantia em outras operações " como a tomada de empréstimos, por exemplo: deveria haver aprovação prévia e por escrito do Conselho de Administração da SAF. Se o clube social não concordasse, poderia vetar.
Apesar das proteções asseguradas pelo acordo, em poucos meses o clube associativo abriu mão de algumas delas para atender interesses de Textor " que aproveitou para penhorar a SAF do Botafogo, usando-a como garantia no processo de compra do Lyon.
Para concluir a aquisição do clube francês, Textor tinha um problema: após adquirir com recursos próprios os demais clubes da rede, ele não dispunha dos 800 milhões de euros pedidos pelos proprietários pelos 77% das ações. Para levantar o montante, recorreu ao mercado financeiro. James Dinan e Alexander Knaster, do fundo de investimentos Iconic Sports, aportaram 75 milhões de dólares na operação, em troca de 15% das ações da Eagle, e passaram a integrar o Conselho de Administração da holding.
Já a Ares Management Corporation, gestora global de investimentos, emprestou 425 milhões de dólares para financiar a compra do Lyon, recebeu participação acionária na Eagle e indicou dois representantes para o conselho da holding. O efeito colateral da operação atravessou o Atlântico e chegou a General Severiano: como garantia do empréstimo, Textor ofereceu em penhor todas as suas ações na SAF do Botafogo.
O empresário, porém, precisou articular internamente a aprovação da penhora, já que o Acordo de Acionistas impunha barreiras. Em janeiro de 2023, em Assembleia Geral Extraordinária da SAF, o Conselho de Administração autorizou o uso das ações da SAF para a penhora.
Dentro de campo, por outro lado, a compra do Botafogo por Textor mostrava impacto imediato. Já em 2022, primeiro ano da SAF, houve um salto de investimento e a equipe que havia subido da Série B foi completamente reformulada. No segundo ano, Textor apostou na manutenção da base do elenco. O objetivo inicial era a classificação para a Libertadores, mas o alvinegro virou favorito à briga pelo título e acabou frustrando a torcida com a perda na reta final.
O baque fez Textor abrir o cofre. Em 2024, foram 21 contratações e mais de R$ 400 milhões investidos. O meia Thiago Almada e o atacante Luiz Henrique se tornaram as duas contratações mais caras da história do futebol brasileiro. O investimento colheu frutos: o Botafogo conquistou a Libertadores pela primeira vez em sua história e faturou também o Brasileirão, encerrando um jejum de 29 anos. Após as conquistas, a torcida exibiu uma faixa em homenagem a Textor: "Obrigado por revolucionar nossa história".
Na França, porém, o sucesso não se repetia no Lyon. E os problemas financeiros que ameaçariam o clube francês de rebaixamento acabariam tendo como consequência a abertura da "caixa-preta" da SAF do Botafogo, expondo decisões controversas ofuscadas pelo sucesso nos gramados.
A terceira e última parte da série será publicada amanhã.