Uma goleada de desconfiança
Marcelo Barreto
Marcelo Barreto
Que bolão. Eram pouco mais de oito da manhã de sexta-feira quando me peguei pronunciando mentalmente essas palavras, ao ver o passe de Bruno Guimarães passar em diagonal por três ou quatro zagueiros coreanos e encontrar Estêvão livre. Que golaço, tive o reflexo de pensar, mas decidi esperar o replay. Foi golaço mesmo? Foi bonito, vai. E ainda não tinha acabado de argumentar comigo mesmo quando Rodrygo se deslocou em diagonal, recebeu um passe de primeira, rabiscou para a direita e chutou de curva, deixando o marcador de quatro.
Que golaço. Dessa vez não tinha dúvida. Mas aí comecei a desconfiar da qualidade da defesa rival. Essa Coreia do Sul também, hein? Que moleza. Uma marcação frouxa, dando espaços, sem chegada. E quando o melhor beque deles, o cara do Bayern de Munique, tropeçou na bola e entregou mais um gol para o Estêvão, complicou de vez. Era bonito ver Vini Jr dando assistência para Rodrygo sem olhar e arrancar em velocidade para fechar a goleada com um corte seco e um biquinho. Mas estava fácil.
Dificil, na verdade, ainda é acreditar na seleção brasileira, depois de dois anos de incertezas, decisões atrapalhadas e atuações ruins. Mesmo quando o futebol apresentado enche os olhos, como aconteceu no amistoso de sexta, ficam muito mais dúvidas do que certezas. Ancelotti achou o time? Vamos jogar assim contra adversários mais fortes? Dá tempo de evoluir até a Copa do Mundo? São tantas perguntas que a gente se pega com dificuldade de curtir o momento.
E, para quem gosta da seleção, era um momento para curtir. Desde os 4 a 1 contra a mesma Coreia do Sul, na Copa de 2022, foram poucas as atuações capazes de trazer alguma esperança. Goleadas, houve duas: uma protocolar, contra a Bolívia, na estreia pelas Eliminatórias; e outra contra o Paraguai, cercada por resultados ruins na Copa América. A eliminação nessa competição, por sinal, levou embora a esperança que Dorival Júnior deixara nos dois amistosos de sua data Fifa de estreia.
E foi justamente contra Inglaterra e Espanha que Endrick começou sua trajetória na seleção principal, fazendo gols e reivindicando um lugar no processo de renovação. Lembro-me de ter escrito neste espaço que ainda não era possível garantir que a trajetória do atacante adolescente seguiria naquele ritmo, da mesma forma que era impossível deixar de se impressionar com seus feitos nas duas partidas. De lá para cá, ele viveu as oscilações esperadas de um jogador lançado ao estrelato antes dos 18 anos. Hoje, voltando de lesão, raramente é citado entre os possíveis convocados de Ancelotti. Serve como aviso para a cautela que precisamos ter com Estêvão, que na sexta se juntou a Pelé, Coutinho e Carvalho Leite na lista dos mais jovens a marcar dois gols num jogo da seleção.
Do outro lado do espectro etário, o amistoso trouxe uma novidade: no "Redação SporTV" que se seguiu à partida, passou-se mais de uma hora de debate sem que o nome de Neymar fosse mencionado. Talvez ainda não seja o suficiente para garantir que a seleção pode prescindir de seu camisa 10 das últimas três Copas. Mas não deixa de ser um alento poder falar de uma vitória fácil, com gols bonitos, sem a sombra de um jogador que não está sequer em condições de ser convocado. Na terça tem o Japão. Até lá, vamos curtir o momento.