Brasil entra no radar da perfumaria de luxo

De um lado, notas de groselha e framboesa. Do outro, aromas de jasmim e baunilha, com toques de pimenta e matérias-primas de regiões da China, do Peru e da Itália. É assim que o mercado de perfumes de luxo vem ostentando um dos maiores crescimentos desde o boom pós-pandemia, impulsionando a ampliação da atuação e a chegada de marcas de luxo no Brasil. Segundo a consultoria Circana, o mercado de fragrâncias deve fechar 2026 com alta superior a 12% nas vendas, patamar já verificado nos primeiros seis meses deste ano.
Para especialistas, o movimento é acelerado pelo apetite de marcas internacionais, que já respondem por 10% do mercado brasileiro, independentemente do câmbio. Segundo a Deep Market Insights, o mercado de perfumes de luxo no Brasil movimenta US$ 453 milhões (nada menos que R$ 2,4 bilhões) por ano. Para Ana Seccato, diretora da Circana, fragrâncias das grifes de luxo ainda têm grande potencial de crescimento no país, já que estão em sintonia com uma das principais tendências de consumo por aqui: perfumes em altas concentrações, que deixam um rastro mais forte e remetem à gastronomia, com notas como cereja, tomate, banana e pistache.
Nas empresas do ramo, a expectativa é a disputa se acirrar. De um lado, a valorização do real frente ao dólar nos últimos meses vem deixando os produtos importados com preços mais competitivos aqui. Neste ano, o grupo francês L’Oréal trouxe para o país, pela primeira vez, a linha de perfumes Born in Roma, da grife Valentino, que já conta com 12 opções e notas de baunilha, chá de jasmim, groselha, limão, pimenta-rosa, entre outros. A Prada, por sua vez, lançou por aqui o Paradigme, com notas de bergamota da Calábria, uma fruta italiana, e gerânio Bourbon, um óleo da África do Sul.
Na lista, há ainda Yves Saint Laurent Beauty, com MYSLF Le Parfum, que traz acorde de bergamota e flor de laranjeira da Tunísia, e LIBRE Flowers and Flames, com flor de palmeira e aroma de lírio. A Lancôme vem com La Vie Est Belle L'Élixir, com aroma de framboesa e notas de folhas de violeta e rosa.
" As fragrâncias de marcas de moda têm impulsionado o setor. Os varejistas no Brasil oferecem parcelamentos em até 12 vezes sem juros, além de programas de fidelidade e cashback, incentivando a retenção do cliente. Outro fator é que os preços no Brasil estão mais próximos dos praticados no exterior, o que torna a compra local mais atrativa " destacou Ana.
Digital faz diferença
Maior grupo do setor de beleza do mundo, a L’Oréal, que conta com 29 marcas de luxo globais, já tem nove à venda no Brasil, como Cacharel, Ralph Lauren, Mugler e Azzaro. Marina Torres, diretora-geral da L’Oréal Luxo no Brasil, diz que há grande oportunidade para o crescimento da categoria no país, que já é considerad o segundo maior mercado de perfumes do mundo, atrás apenas dos EUA. Ela lembra que hoje 78% dos brasileiros usam e compram fragrâncias.
" Nós estamos com um grande foco de aceleração. Trouxemos Valentino este ano para adicionar ao nosso portfólio de marcas, e conseguimos ver que o consumidor brasileiro é superengajado em todos os temas de beleza, mas principalmente em fragrâncias. Isso ajuda a nos conectar cada vez mais com eles. A performance do grupo no primeiro semestre mostra crescimento, e a América Latina se destaca com avanço de dois dígitos, sendo o grande contribuidor do crescimento da divisão a nível mundial. E, obviamente, o Brasil é uma grande parte dessa contribuição " diz Marina.
Ela ressalta ainda a importância do canal on-line para o segmento no Brasil, que responde por 11% das vendas. Segundo a executiva, a internet ajuda os produtos a chegarem a todas as casas do país. Foi assim que marcas como Lancôme, Azzaro e Ralph Lauren abriram suas primeiras lojas oficiais no Mercado Livre. Recentemente, foi a vez de Giorgio Armani ter um espaço próprio na Amazon.
" Os perfumes são uma porta de entrada para o mercado de luxo. Muitas pessoas não conseguem comprar um vestido ou uma bolsa, mas conseguem ter acesso a uma fragrância ou item de maquiagem. E foi justamente com essa visão que trouxemos Valentino " afirma Marina. " Hoje o consumidor não está apenas no off-line ou no on-line. Por isso, o foco é investir na harmonia entre esses dois ambientes e em como um pode complementar o outro, até porque cada um tem seu papel na jornada do consumidor.
É por isso que as marcas vêm investindo em experiências para os consumidores entrarem em contato com os produtos, com ações que remetem aos aromas e fragrâncias. A Lancôme fez uma parceria com a chocolateria Dengo para o lançamento do La Vie Est Belle L’Élixir no sabor framboesa. A Prada, para lançar sua nova fragrância inspirada no jasmim, apostou na criação de um espaço móvel com buquês que percorre diferentes pontos do Rio. A Valentino, por sua vez, investiu em uma sorveteria italiana, uma gelateria, com inspiração nos perfumes, oferecendo sabores de romã, baunilha, framboesa e pistache, entre outros.
Estudo da consultoria McKinsey prevê que a América Latina deve ser uma das regiões com maior crescimento na venda de perfumes, atrás apenas da Índia, do Oriente Médio e dos países da Ásia-Pacífico. Assim, a Coty, que representa marcas no Brasil lançou 13 perfumes somente neste ano. Entre os destaques está o Burberry Her Eau de Parfum, com notas de morango e flor de laranjeira. Outra aposta é a fragrância Boss Bottled Beyond, que une gengibre e o couro e tem o jogador de futebol Vinícius Júnior como um dos rostos da marca.
Para Cesar Tsukuda, CEO da Beauty Fair, segunda maior feira do setor de cosméticos no mundo, o Brasil é decisivo no plano de qualquer companhia, pois o mercado tem volume e uso intenso de produtos de beleza. E os perfumes são mais uma fronteira em crescimento no setor. Por isso, diz ele, aumenta ano a ano o interesse de marcas internacionais.
" Quando você tem um mercado em que perfume representa até metade do faturamento de beleza, mais empresas querem jogar esse jogo. O consumidor já conhece o básico e agora busca novidades, buscando concentração maior, performance e assinatura olfativa.
‘Armário de fragrâncias’
A alta nas vendas do setor também tem estimulado marcas brasileiras a lançar produtos mais elaborados. É o caso da Felisa Beauty Born in Brasil, marca de perfumes de luxo criada por Fernanda Elisa Orciolli, executiva que atua no segmento há mais de 20 anos. Segundo ela, o brasileiro é um dos que mais usam fragrâncias em todo o mundo, o que vem impulsionando os planos de lançamentos constantes das empresas. Ela cita a própria marca como um exemplo.
Criada em 2023, a Felisa já tem oito perfumes em sua linha fixa e duas edições limitadas " todas unissex. Para 2026, já prepara mais três lançamentos. Com fabricação em São Paulo, a marca importa matérias-primas de diversas partes do mundo, como rosas da Turquia e baunilha de Madagascar, além de componentes do Egito, França e Venezuela, por exemplo.
" Vamos dobrar de tamanho neste ano. O brasileiro usa perfumes para cada ocasião, criando uma espécie de armário de fragrâncias. Isso impulsiona o mercado. Há um interesse grande pelo Brasil. Temos conversas com potenciais investidores e grupos de beleza para impulsionar o nosso crescimento e devemos ter novidades em 12 meses " diz Fernanda, lembrando que já exporta para países como Colômbia e México, além dos EUA, por meio da Amazon.
Para Paulo Roseiro, diretor-executivo de Perfumaria do Grupo Boticário, há uma mudança estrutural na relação dos perfumes com o brasileiro, que está mais sofisticado. Por isso, a companhia vem desenvolvendo fragrâncias premium. Ele cita a criação da marca Hadiya, com essência árabe, e a Privée, que conta, por exemplo, com a coleção Narcotic Flowers, com inspiração em plantas como papoula e beladona:
" Temos movimentos relevantes para os próximos anos dentro desse território de maior sofisticação. Quando falamos de perfumaria premium, não estamos nos movendo apenas para acompanhar o mercado. Estamos respondendo ao movimento do brasileiro, que passou a buscar fragrâncias com mais densidade, mais complexidade e maior rigor técnico.
A Granado também investe na categoria. A companhia lançou rótulos mais sofisticados, como o Sublime, com rosa e açafrão, e o Amazônico, com notas amadeiradas e toque de cacau. A estratégia envolve ainda a contratação de perfumistas internacionais para desenvolver novos produtos.