Negociação com eua dá projeção inédita a chanceler mauro vieira
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ganhou protagonismo na condução da crise ...
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, ganhou protagonismo na condução da crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, movendo-se para fora da sombra de Celso Amorim " assessor especial para assuntos internacionais do Palácio do Planalto e chanceler nos dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva, responsável por definir os rumos da política externa lulista. Neste terceiro mandato, Amorim voltou a ter destaque em momentos sensíveis da diplomacia brasileira, como nas posições sobre a guerra na Ucrânia e na eleição venezuelana do ano passado. Agora, porém, é Vieira quem ocupa o centro da cena.
Pessoas próximas aos dois garantem não haver disputa entre eles e afirmam que Vieira e Amorim, amigos de longa data, têm funções distintas. Mas reconhecem que o atual chanceler ganhou hoje uma projeção inédita desde o início do governo, em janeiro de 2023.
A virada ocorreu em julho, quando o governo americano anunciou uma sobretaxa de 40% " somada a outras tarifas de 10% " sobre produtos brasileiros, justificando a medida pela forma como o Judiciário tratou o ex-presidente Jair Bolsonaro e impondo sanções a autoridades nacionais, entre elas o ministro do STF Alexandre de Moraes. O chanceler assumiu a linha de frente das negociações com Washington, reuniu-se duas vezes com o secretário de Estado americano, Marco Rubio, e passou a defender publicamente que as relações com os EUA não são "incondicionais", frisando o respeito à soberania brasileira diante das pressões comerciais e políticas.
crises simultâneas
Interlocutores da área diplomática observam que Vieira ampliou sua visibilidade e afirmam que o ministro ganhou mais protagonismo ao assumir uma função considerada difícil e delicada: manter bom relacionamento com Rubio. E vem cumprindo bem essa tarefa. Ter entrada junto ao secretário de Estado americano é visto como um ativo " ainda mais no caso de Rubio, que acumula funções no governo de Donald Trump.
Pessoas próximas ao chanceler destacam seu perfil discreto e afirmam que, desde que assumiu o cargo, Vieira sempre atuou nos bastidores, em meio a crises simultâneas e à intensificação da agenda internacional do país. À frente das articulações do Brics e do G20, o chanceler também conduziu negociações sensíveis com Argentina e Venezuela " mantendo canais com governo e oposição " e dialogou diretamente com México, Colômbia e os países envolvidos na conclusão do acordo Mercosul-União Europeia.
Ao todo, participou de mais de 530 reuniões de alto nível com ministros, chefes de Estado e governo, dirigentes de organismos internacionais, além dos encontros que acompanhou ao lado de Lula. Esteve com mais de 140 chanceleres. Na escalada da crise no Oriente Médio, sob presidência brasileira no Conselho de Segurança, liderou todo o processo diplomático, garantem auxiliares.
Ex-embaixador do Brasil em Washington, Mauro Vieira manteve atenção constante ao cenário americano: enviou assessores de confiança aos EUA para dialogar com diferentes setores, acionou contatos na embaixada brasileira e mobilizou sua equipe em uma operação sigilosa.
Ele é descrito por auxiliares como alguém que "começou com o pé no acelerador", ao mesmo tempo que é capaz de atuar com discrição em momentos críticos e falar publicamente apenas quando considera necessário " característica que, segundo interlocutores, foi decisiva para conduzir o Itamaraty em um dos períodos mais turbulentos da diplomacia brasileira recente.
Ainda assim, Celso Amorim mantém enorme influência como conselheiro direto de Lula e continua exercendo o papel central de orientar a visão e o discurso do presidente e do país sobre temas internacionais. Para um importante diplomata, "Vieira é um embaixador; Amorim, um formulador de políticas".
atuações distintas
Embaixadores ouvidos pelo GLOBO reforçam que ambos trabalham em estreita sintonia e atuam em áreas bem definidas, sem espaço para ingerências ou disputas. Para o diplomata e escritor Rubens Ricupero, a visibilidade de Vieira é natural:
" É mais que natural que o ministro das Relações Exteriores receba mais cobertura do que um assessor. O Celso tem antecedentes tão prestigiosos que acaba recebendo mais atenção que assessores habituais. Mas, em negociações com os EUA, o ministro Mauro Vieira ocupa um lugar que um assessor jamais poderia ter.
Para Flavia Loss, doutora em Relações Internacionais e professora da FESPSP, o atual arranjo remete ao primeiro governo Lula:
" A figura do assessor especial para assuntos internacionais foi instituída ali. Deu muito certo naquele momento, quando o sistema internacional favorecia o protagonismo do Brasil. Agora, o cenário é outro. Celso Amorim é muito mais próximo de Lula, e isso pesa. Em crises como a atual com os EUA, porém, ele não é o melhor ator, por ser identificado demais com o PT.
Já Loss avalia que Vieira ganhou espaço por circunstância, não por estilo:
" Acho que ele saiu da sombra para cumprir o papel básico de um ministro. Foi o nome necessário: não é tão vinculado ao PT nem a Lula, ao contrário de Amorim. Foi mais um momento de oportunidade do que de sagacidade.
O diplomata Paulo Roberto de Almeida, ex-diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, pondera que, apesar dos avanços, Vieira "ainda atua na sombra de Amorim".
" As circunstâncias são diferentes. Uma coisa é ser embaixador; outra, chanceler. Amorim virou uma espécie de conselheiro-mor de Lula, inclusive quando o ex-presidente esteve preso " afirma ele, que ressalta que muitas decisões de política externa seguem sendo tomadas no Palácio do Planalto: " Há uma diplomacia presidencialista, personalista, com improvisações que comprometem a credibilidade do país.
ativismo diplomático
Carlos Milani, professor titular do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, vê um contexto mais amplo:
" O Brasil viveu um período de forte ativismo diplomático: presidiu o G20, o Brics e sediou a COP30 em Belém. Isso sem contar o acordo União Europeia-Mercosul e negociações regionais com Venezuela, Argentina e parceiros como China, Índia, Indonésia e África do Sul " afirma. " Nesse cenário, Mauro Vieira logrou uma negociação estratégica e delicada com Washington, trazendo a público qualidades construídas ao longo da carreira.