Sábado, 20 de Abril de 2024

Um ex-ministro do planejamento que nunca deixou de pensar o país

BrasilO Globo, Brasil 20 de febrero de 2019

OBITUÁRIO

OBITUÁRIO
Personagem singular na cena econômica e política brasileira sem nunca ter concorrido a um cargo público, o economista João Paulo dos Reis Velloso reagiu a uma homenagem pelos seus 50 anos, em 1981, dizendo-se ainda muito jovem, apesar de "cinquentão", com muitos planos e ideias para o Brasil. Àquela época, ele já havia sido ministro do Planejamento por dez anos, fundado e presidido o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e estava por criar ainda o Fórum Nacional de Altos Estudos. E foi à frente desse espaço privilegiado dedicado ao exercício do pensamento sobre estratégias de desenvolvimento nacional que ele, de fato, seguiu contribuindo com o país.
Há três décadas, o Fórum reúne economistas, governantes, empresários e lideranças da sociedade civil anualmente para discutir os principais temas em torno do que foi a sua maior obsessão intelectual e uma grande preocupação: o desenvolvimento do Brasil. Ele só deixou a condução dos debates em 2017, quando, com problemas de saúde, passou o bastão para um de seus irmãos, o também economista Raul Velloso.
O economista piauiense transitou no poder durante o governo de seis presidentes por quase duas décadas, entre 1961 e 1979. Mesmo tendo integrado o gabinete de dois presidentes da ditadura militar " Emílio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, de 1969 a 1979 ", sempre se mostrou um defensor da pluralidade de ideias, com bom trânsito em todos os campos ideológicos, sensível a temas sociais e à importância da ciência, da tecnologia e da cultura para o futuro do país.
atenção à desigualdade
Em 1967, ajudou a criar a Fundação Brasileira de Inovação e Pesquisa (Finep). De 1968 a 1969, no governo Costa e Silva, integrou o Conselho Federal de Educação. Sua passagem pelo Planejamento foi marcada pelo "milagre brasileiro", com acelerado crescimento econômico e alta concentração de renda entre 1968 e 1973, e pela subsequente crise do petróleo. Em 1979, ainda ministro, defendeu a criação de um programa para acabar com a "pobreza absoluta", admitindo que o crescimento não seria suficiente.
Considerado um economista desenvolvimentista, ele registrou no livro "Último trem para Paris", em 1987, uma autocrítica ao Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que liderou na década de 1970. O nome do livro, assim como do capítulo citado, ilustra como o ex-ministro conciliava suas reflexões econômicas com sua paixão pelo cinema. Era também frequentemente visto na primeira fila de teatros. O último trem, repetia, é aquele que, simbolicamente, seria capaz de transportar um país subdesenvolvido como o Brasil ao rol das nações ricas, algo que ele não viu. Em 2009, durante um seminário organizado por O GLOBO, afirmou que o Brasil perdera o "know-how do alto crescimento".
" O maior problema brasileiro é político. Não é econômico, não é social, não é fiscal " diagnosticou no último Fórum que liderou, em 2016.
destaque acadêmico
Nascido em Parnaíba, no Piauí, em 12 de julho de 1931, filho de uma costureira e de um funcionário dos Correios, Reis Velloso trocou o Piauí pelo Rio de Janeiro quanto completou 20 anos. Foi secretário do deputado federal Jorge Lacerda, da UDN de Santa Catarina, e teve outras funções como funcionário público até ingressar por concurso no Banco do Brasil e mudar-se para São Paulo, onde iniciou a faculdade de Economia, na Fundação Álvares Penteado. De volta ao Rio, terminou o curso na Uerj. Na década de 1960, concluiria o mestrado em Economia na Universidade de Yale (EUA). Lecionou na Fundação Getulio Vargas por mais de 30 anos.
" Reis Velloso colaborou na formação de centenas de economistas, que viriam a desempenhar relevantes funções nos setores público e privado. Suas ideias foram sempre pautadas por um elevado ideal do bem nacional " destacou Carlos Ivan Simonsen Leal, presidente da FGV.
Em novembro de 2016, em uma de suas últimas declarações públicas, Reis Velloso defendeu a necessidade da reforma da Previdência, com idade mínima de 60 anos para aposentadoria, e se mostrou crítico da reforma trabalhista implementada no governo Temer. Logo no início de 2017, com a saúde debilitada, ele se afastou da vida pública. Na manhã de ontem, aos 87 anos, Reis Velloso morreu em casa, de causas naturais, segundo informaram familiares.
" Para o Brasil, o legado é a experiência única de planejamento estratégico do país, que ele concebeu e implementou com o apoio dos governos militares, numa fase conturbada de crises externas e escassez de divisas, com vistas à obtenção de taxas de crescimento do PIB minimamente aceitáveis para um país nas condições do nosso " declarou o irmão Raul Velloso.
O economista e ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto, emocionou-se ao comentar a perda do amigo:
" Que grande perda. Perdemos um economista brilhante, e eu perco um grande amigo. O Brasil perde seguramente um dos economistas mais importantes de nossa história recente. Ele deixa um grande legado de trabalho, dedicação e de grande fidelidade ao país.
O ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega destacou os livros produzidos por Reis Velloso a partir das edições do Fórum Nacional. Em nota, o presidente do BNDES, Joaquim Levy, lamentou a perda do economista, lembrando que o banco sediou por 30 anos as edições do Fórum. O Ipea manifestou "imenso pesar" e destacou que o ex-ministro "dedicou sua vida a pensar e a propor soluções para tornar o Brasil um país desenvolvido." Para o economista Claudio Frischtak, o empenho dele na criação do Ipea e sua reinvenção à frente do Fórum são provavelmente seu legado mais duradouro:
" Pessoa íntegra, amiga e com um estilo de vida modesto, consoante à sua visão de mundo. Fará muita falta aos amigos e ao país.
Reis Velloso se casou duas vezes. Teve dois filhos com a primeira mulher, Gelza, sendo um deles já falecido. Com a viúva, Isabel Barroso do Amaral, teve outros dois filhos. O velório será aberto às 10h30 desta quarta-feira, no Cemitério São João Batista, em Botafogo.
João Paulo dos Reis Velloso/ economista, 87 anos
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