Uma guerra com meninos
Patrícia Kogut
Patrícia Kogut
crítica/ ‘Our boys’ > Ótimo
Em 2014, três rapazes judeus ortodoxos foram assassinados na Faixa de Gaza. Em represália, três judeus " um adulto e seus dois sobrinhos adolescentes " mataram e queimaram o corpo de um menino palestino. Os crimes motivaram novos atos de violência e geraram choques entre as forças israelenses e o Hamas, que controla Gaza. O trágico episódio e os eventos que sucederam a ele são o tema de "Our boys", que está no ar na HBO. A produção américo-israelense tem a assinatura de Hagai Levi (criador de "Be tipul", aqui intitulada "Sessão de terapia", e de "The affair", entre outras obras). Hagai divide a tarefa com o cineasta de formação ortodoxa Joseph Cedar e com o roteirista e diretor de cinema palestino Tawfik Abu Wael. Essa multiplicidade de ângulos de visão se traduz na narrativa, que, mesmo assim, foi acusada por Benjamin Netanyahu de antissionista.
No primeiro episódio, a polícia ainda procura os meninos ortodoxos. Porém, logo vem a confirmação de que eles estão mortos e a tensão sobe no país. Paralelamente a essa fervura política, somos apresentados a uma família palestina. Mohammed (Ram Masarweh) ajuda o pai, Hussein (Jony Arbid), no trabalho numa construção e sonha com uma viagem a Istambul. Em outra ponta, conhecemos Avishai (Adam Gabay). Também adolescente, ele cresceu numa comunidade ortodoxa e não quer frequentar a yeshiva, a escola que forma rabinos: está deprimido. As duas famílias moram em Jerusalém, e os garotos têm aqueles conflitos regulamentares da idade com os pais. Num dado momento, seus caminhos se cruzam de forma terrível. Não conto mais para evitar o spoiler (mas quem quiser pode pesquisar sobre o episódio, fartamente coberto pelos noticiários).
Há muitas camadas narrativas em "Our boys". A produção usa imagens reais de arquivo " discursos de Netanyahu, trechos de reportagens e registros dos conflitos nas ruas " mas é, no geral, dramatizada. O nacionalismo, o racismo (que divide inclusive os judeus esquenazis e os sefarditas), o ódio que parece insuperável, tudo isso está retratado ali.
A série não se vale de metáforas ou de alegorias políticas: é aferrada aos fatos e evita o parti pris. Porém, simbolismos e mensagens subliminares não param de se apresentar, mesmo que involuntariamente. A começar pelo título. O pronome possessivo (our/nossos) impõe um sentimento: todos aqueles meninos poderiam ser "nossos". A trama leva o espectador a se colocar no lugar de cada um dos protagonistas dessa tragédia humana. O público terá pena de todos e chegará ao último capítulo com outras tantas interrogações na cabeça. Não perca.