Viernes, 19 de Abril de 2024

Na villa fiorito, um mergulho nas origens e na alma de maradona

BrasilO Globo, Brasil 29 de noviembre de 2020

berço do pelusa

berço do pelusa
O velório de Maradona foi um acontecimento notadamente popular. De perto, era possível distinguir gente de todos os tipos, todas as classes, as mais diferentes idades. Mas com dois passos para trás a impressão era marcante: a multidão que lotou as ruas na quinta-feira vinha de bairros afastados do centro da capital argentina.
Na grade da Casa Rosada, uma faixa tinha destaque: "Todas las villas en una solo persona: Diego Armando Maradona". Todas as favelas em uma só pessoa. E todas as favelas, naquele momento, pareciam se encontrar ali. Às portas do palácio de governo, era o povo argentino que se reunia. Convidados de Diego.
No dia seguinte, a 20 quilômetros da Praça de Maio, umas poucas pessoas se juntavam em frente à humilde casinha de número 523 da rua Azamor, em Villa Fiorito, subúrbio de Buenos Aires. Eram moradores da região, que conversavam e prestavam homenagens singelas a Maradona. Alguns cartazes, fotos, velas, um primeiro e generoso gole da cerveja jogado ao chão em frente à entrada da casa. Ali, 60 anos antes, Dieguito entrou nos braços de sua mãe, Dona Tota, recém-nascido no hospital público de Lanús.
Alguns jornalistas registravam o movimento. Fora do foco das lentes das câmeras, o bairro parecia viver um dia quase normal. Em frente, na casa onde vivera a avó de Maradona, uma churrasqueira acesa, gente no quintal, ao fundo um altar para Gauchito Gil, o santo popular dos argentinos. Pela rua, crianças correndo descalças.
Sentados, cadeiras na calçada, Don Norberto e Dona Olga, vizinhos de porta da casa onde nasceu o "Dios", observavam tudo. Com 59 anos, um a menos que o ex-vizinho, Seu Norberto proseava com os conhecidos. Um deles era um jovem chamado Jesús, morador de um bairro vizinho. De camisa do Boca, cuia de mate na mão e tatuagem de Maradona na perna, o rapaz sorria.
" O Diego não se calava para ninguém. Nem ao Papa ele se curvou! " disse Jesús, lembrando de quando Maradona sugeriu a João Paulo II que vendesse o ouro do Vaticano e doasse aos mais pobres.
" Ele foi um "negro villero". Saiu daqui, mas nunca deixou de ser um "negro villero" " respondeu seu Norberto.
O olhar que vê em Maradona um "negro favelado" é o olhar de quem cresceu com ele. Norberto Fernández, o Vaquita, é amigo de infância de Diego e uma tarde de conversa com ele pode ajudar um pouco a entender como Maradona é para o argentino muito mais que um ex-jogador de futebol. Nas palavras de quem o conheceu, pistas de como se formou um mito popular tão poderoso.
‘el pelusa’ não humilhava
Desde sempre toda a Villa Fiorito sabia que "El Pelusa" " apelido de infância de Maradona, em referência à sua cabeleira " era um fora de série com a bola. Nas peladas no chão de terra batida, Dieguito já mostrava uma personalidade solidária.
" O Pelusa nunca jogava para humilhar a gente. Tenho uma memória muito antiga, nós crianças pequenas, talvez com sete ou oito anos " conta Norberto. " Ele me ensinava qual era a melhor forma de marcá-lo, que não me aproximasse pela sua direita, que não deixasse sua perna esquerda livre.
A meninada do bairro era boa de bola demais. Tinham todos mais ou menos a mesma idade, vizinhos de poucas quadras. Foi Diego Maradona pai, conhecido como Don Chitoro, quem armou o time da garotada no terreno baldio que tinha em frente à sua casa. O Estrella Roja era um timaço. Montañita, o lateral direito, era excelente. Pelusa era o 10, o outro atacante era o Duré. O goleiro? Era Vaquita, menino que recebeu o apelido em referência a Claudio Vacca, grande goleiro do Boca Juniors na década de 40.
Um senhor que ouvia a conversa comenta: "Melhor que o Pelusa era o Goyo". Norberto conta que sim, existia essa discussão. Gregorio Goyo era o camisa 9 do Tres Banderas, time rival do Estrella Roja em Villa Fiorito. De rival a companheiro de Pelusa: Goyo também chegou a jogar no Cebollitas, time das categorias de base do Argentinos Juniors, mas nunca vingou.
" O que faltou a Goyo foi um pai como Don Chitoro " diz Vaquita. " Nós aqui em frente jogando bola descalços e, quando dava a hora, Don Chitoro pegava o Pelusa pelo braço, botava no banho, penteava o cabelo, e saíam para o treino no clube.
Norberto conta que depois da fama e fortuna, Maradona não perdeu contato com o bairro. Manteve a amizade com os antigos vizinhos, visitava parentes que ainda moravam em Fiorito. Certo dia, já ídolo no Napoli, Diego, de férias, convidou seu velho amigo Vaquita para passar um dia em sua casa de campo fora de Buenos Aires. À saída, Maradona tirou um maço de dinheiro e estendeu a Norberto. O amigo se sentiu ofendido. Recusou, discutiram, saiu brigado de lá. Mas por que não aceitar uma ajuda de um amigo?
" Não sei, um orgulho meu. O Pelusa às vezes me dizia ‘veja fulano, tá aqui só por causa de dinheiro’. Naquele dia eu disse: entre você e eu, o que tem é amizade.
ajuda escondida
Um dia, em 1987, auge do craque na Itália, seu Norberto chegava na Villa Fiorito depois do trabalho. Parou o carro em frente de casa e saía para abrir o portão quando dois jovens o abordaram. Era um assalto, tinham uma pistola. Vaquita era um homem forte, trabalhava de segurança particular, era campeão de taekwondo. Se atracou com o rapaz da arma, que disparou. Sua filha de cinco anos saía de casa para recebê-lo. O tiro pegou na virilha e ela morreu.
" Quando cheguei para fazer os trâmites do sepultamento, o agente funerário disse que eu não precisava me preocupar, que estava tudo pago, mas ele não podia dizer quem pagou. Depois recebi os documentos e dentro de um envelope estava uma mensagem do mesmo funcionário: ‘foi o Pelusa quem pagou’. Foi a única vez que ele me ajudou.
O Maradona arrogante que pode aparecer no imaginário dos brasileiros " por vezes, ao sabor de rivalidades futebolísticas ", definitivamente não é o Maradona narrado com ternura e gratidão por Don Norberto:
" O Pelusa é único. E nasceu aqui, em Fiorito.
Para muitos, este Maradona deus humano, ídolo íntimo e querido, que deu a umpovo orgulhoso e trabalhador suas maiores alegrias, viveu toda sua vida em Villa Fiorito. E viverá para sempre.
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