Miércoles, 16 de Julio de 2025

‘Quero ser o cara a ser batido’

BrasilO Globo, Brasil 7 de agosto de 2024

Torça por mim Torca por mim Alison dos Santos ATLETISMO

Torça por mim Torca por mim Alison dos Santos ATLETISMO
A prova dos 400m com barreiras de Tóquio-2020 foi a mais rápida da História. E eu não só estava lá, como fiz parte desse capítulo. Imagine que até o quinto colocado, Abderrahman Samba, do Catar, com 47s12, ganharia o ouro na Rio-2016. Os três primeiros seriam campeões olímpicos em todas as outras edições dos Jogos. Foi um espanto.
Karsten Warholm, da Noruega, bateu o recorde mundial, que era dele mesmo, com 45s94. Quando pensaríamos em chegar na casa dos 45 segundos? Rai Benjamin, dos Estados Unidos, com 46s17, foi prata e também superou aquele que, até 3 de agosto de 2021, era o melhor tempo da História. E eu ali, em terceiro, fechando o pódio, com 46s72, minha melhor marca pessoal até então, além de recorde sul-americano. Foi o primeiro pódio de um brasileiro numa prova individual de velocidade no atletismo desde Robson Caetano, bronze em Seul-1988.
Lembro que, quando vi o tempo do ouro no placar, pensei: "Está errado, não é possível". Estive na prova em que um atleta correu em 45 segundos pela primeira vez na História. Quem buscar imagem dessa final vai me ver lá também. Faço parte desse grupo que revolucionou a prova dos 400m com barreiras. Foi o dia mais feliz da minha vida, e vou contar isso sempre que puder.
Revejo essa prova com frequência, aliás. Para lembrar que foi numa Olimpíada, para ser um incentivo... E funciona, dá aquele gás. Tóquio-2020 foi incrível, mas o estádio estava vazio por causa da pandemia. Em Paris-2024, teremos um novo capítulo. E com público.
No momento da prova, com todos de olho na pista, rola aquela ansiedade coletiva, uma energia absurda. Dá arrepio, frio na barriga... O público estará lá para ver o show que podemos proporcionar. É isso que quero viver, além, é claro, de fazer um bom resultado. Jogos Olímpicos são a entrega de algo a mais. É a competição que pode mudar a vida de pessoas. É importante para o atleta e para seu país, grupo, família e cidade. Quando corro, todos estão me empurrando. É mágico.
VIDA NO EXTERIOR
Tóquio-2020 mudou minha vida. Fiquei mais responsável, aprendi o que posso fazer, entendi a posição que posso alcançar como atleta. E, claro, abriu portas. Não só para patrocínio: falo de suporte, de conhecer pessoas, ter oportunidades...
Desde o início de 2024, moro na Flórida. No ciclo passado, fiquei cinco meses alojado no Centro de Treinamento de Chulavista, também nos EUA. Saí do oito para o 80. Era legal? Para caramba. Tudo mastigado. Mas era um quarto num CT. Agora, divido casa com outros atletas. Tem sala e sofá! Cochilo nesse sofá todas as tardes. E durmo num colchão dos deuses todas as noites.
Tenho de fazer comida? Sim. Limpar a casa? É chato, mas que delícia ter tudo limpinho. Queria isso mesmo, me sentir um cara normal. Sofria com a falta dessas atividades no alojamento. Ficar um mês num CT é tranquilo, mas morar...
Era para eu ter me mudado para os Estados Unidos em 2023, mas no início daquele ano, em fevereiro, sofri uma lesão no joelho direito e precisei operar. Do jeito que aconteceu, foi muito aleatório. Estava fazendo prancha no aquecimento, e meu joelho travou. Não conseguia mexer. Fiquei abalado, chorei. Não tive raiva, foi uma frustração. Fiquei quieto, no meu canto, pensando no que rolava. Estávamos muito bem, treinando muito bem. E ter de recomeçar tudo de novo, cortar caminhos para chegar ao Mundial daquele ano me preocupou.
Tirei dois dias para mim, para aceitar o que acontecia. Quando há uma dificuldade, é comum descontar em quem está próximo. Mas eu queria trazer tranquilidade às pessoas ao meu redor. Elas sabem que amo o que faço, que o atletismo é grande parte de quem sou. Eu teria de operar mesmo. E isso estava fora do meu alcance. Não dava para controlar. Mas eu podia controlar como lidar com aquilo.
MOTIVAÇÃO E INTIMIDAÇÃO
Não passei por esse processo sozinho, tive muita gente comigo. E, quando voltei, estava com a mente positiva. Poderia cancelar a temporada de 2023 e voltar em 2024. Mas não. Nós nos esforçamos para que eu chegasse competitivo ao Mundial daquele ano. Só que não tive tempo para treinar o que era necessário. Paguei o preço na final. Fui quinto em Budapeste, bati em duas barreiras. Mas havia corrido bem na eliminatória e na semi. No fim das contas, esse momento nos fortaleceu.
Claro que 2023 não foi fácil, depois de um 2022 ganhando tudo e em que consolidei meu nome. Não era mais uma briga de dois atletas por medalha. Eu também estava nessa. E houve o título mundial, no Oregon, e o da Liga Diamante, invicto. Em Doha, ganhei de Benjamin com o recorde dessa etapa. Corri na casa dos 46 segundos na última prova antes do Mundial para dar aquela confiança. Tinha corrido com todos " na chuva, no sol " e cheguei na frente. Independentemente do que encontraria no Mundial, estava preparado. Fiz 46s29 na final, superando Benjamin e Warholm. Essa é a terceira melhor marca da prova de todos os tempos. Warholm, campeão mundial e olímpico, é o recordista mundial com 45s94, à frente Benjamin (46s17).
Até 2022, eu nunca tinha ganhado deles, em nenhuma circunstância. Depois de 2022, pensei: "É possível". Quando se vence uma vez, outras podem ocorrer. Isso me deixa mais leve. Me preocupo apenas com minha corrida. Na real, não estamos longe um do outro. Depois desse Mundial, a pressão estava comigo. E gostei de ter o alvo nas costas. Tão bom que estou nessa busca de novo. Quero ser o cara a ser batido.
Comecei 2024 com outra cabeça: "Mano, estou aqui. Já passei pela lesão e agora sou um atleta comum". E comecei ganhando: em Doha, pela Liga Diamante, fiz logo 46s86, melhor marca do ano no mundo naquele momento. No fone, ouvia: "Minha autoestima tem crescido tanto que hoje eu chamo de dívida externa" ("Ufa", de Djonga); "eu antes era foda e hoje sou sinistro, e agora todos eles querem saber o segredo" ("Massacre", de Xaga); e "não é sobre parar, é sobre como é difícil se manter em movimento, continuar sendo o cara do momento" ("Xapralá", de Djonga). Mexe comigo. E, se eu postar nas redes sociais, mexe com meus rivais.
Oito dias depois, em Los Angeles, Benjamin fez 46s64. Pensei: "Um está ligado no outro. Tipo assim: ‘Relaxa, na próxima você verá o que posso fazer’". Voltei a competir em 2023, mas considero meu retorno o início de 2024. Foi quando voltei mesmo.
É isso: acabou o papo de que essa prova é de dois atletas. Tem uns cinco de olho no ouro em Paris-2024. Pode esperar show, briga de cachorro grande. Será a revanche de Tóquio-2020. E, no relógio, a diferença entre nós é um estalo. Piscou, perdeu. Então, cara, não pisca.
(*Velocista, em depoimento
à repórter Carol Knoploch)
La Nación Argentina O Globo Brasil El Mercurio Chile
El Tiempo Colombia La Nación Costa Rica La Prensa Gráfica El Salvador
El Universal México El Comercio Perú El Nuevo Dia Puerto Rico
Listin Diario República
Dominicana
El País Uruguay El Nacional Venezuela