‘A vaidade e o egoísmo dificultam o desenvolvimento de novos treinadores’
Brasileirão no divã
Brasileirão no divã
Natural de Santa Bárbara d' Oeste, interior de São Paulo, o técnico Fábio Matias, de 45 anos, busca o reconhecimento nacional além dos trabalhos de destaque nas categorias de base. Após assumir interinamente o Botafogo no início deste ano, novas portas se abriram no mercado profissional. A missão da vez é a luta contra o rebaixamento à frente do Juventude na reta final do Brasileiro. Com mais de 15 anos de carreira no futebol, ele abre o jogo sobre "o cenário caótico" dos treinadores brasileiros.
Como foi a curta experiência como goleiro na base?
Toda criança e adolescente têm um sonho… o meu era jogar futebol. Eu fui criado ao lado do estádio do União Barbarense-SP. No período da infância para a adolescência, tive oportunidade de ser goleiro nas categorias de base da equipe. Não existe frustração porque, na idade de júnior, já sabia que iria ter uma limitação embaixo da trave por não ter uma grande estatura. Tenho 1,76m. Como estava me formando em educação física, também foi uma forma de conhecer e estar inserido no futebol.
E no futebol amador?
Como pagava relativamente bem, consegui sustentar a minha família por meio dele em determinado momento. Em 2010, quando virei técnico do Desportivo Brasil-SP no sub-17, resolvi parar de jogar porque tinham muitas partidas na semana e não dava para dar a devida atenção à minha família. A partir daí, invisto muito mais na minha carreira como treinador.
Você se preparou?
Como não fui um grande jogador de futebol, o que realmente pesa no processo de formação, tive que passar por todas as experiências para virar treinador. Muitos treinadores não passam, mas sempre fui muito "pé no chão".
Quais são as diferenças em ser treinador de um clube-empresa?
Botafogo e Bragantino, onde passei, têm linhas de organização excepcionais. O treinador acaba tendo mais facilidade para ter acesso direto ao gestor que realmente bota dinheiro e manda no clube. Tive conversas com o John Textor quando fiquei à frente da equipe principal no Botafogo. Já nos clubes associativos, é um ambiente mais conturbado, já que tem a questão da eleição como fator preponderante para a continuidade do trabalho.
Qual foi o seu sentimento quando não foi efetivado no Botafogo?
Lógico que gerou expectativa, mas de forma controlada. O Textor já havia deixado claro, em reuniões, a preferência por trazer um treinador de fora. Comecei a ter esperança com oito vitórias em dez jogos à frente do Botafogo, só que o treinador de futebol deve ficar ciente dos bônus e ônus. Eu sempre me preparei para não estar, mas, ao mesmo tempo, também estava preparado para estar. O foco principal era aproveitar a oportunidade da melhor forma possível e deixar o mais organizado para quem viesse. Já tive propostas da Ásia e Oriente Médio neste ano, mas me vejo ainda com mercado no Brasil, que paga bem a nível sul-americano. Não sou nenhum novato no futebol, tenho mais de 15 anos trabalhando como treinador… mais do que muitos treinadores que estão no exterior.
Faltou tempo de trabalho no Coritiba?
Inicialmente, eu não queria sair do Botafogo. O Coritiba é um clube grande, com uma torcida apaixonada e que está se organizando bem administrativamente como SAF. Não tinha como desperdiçar essa oportunidade. Óbvio que deu um baque porque foi a minha primeira demissão em 15 anos. Nunca havia ficado três meses em casa sem trabalhar. O treinador sabe quando o processo não vai dar certo. Não é só a parte de campo, também tem a externa. Tiro de lição que, em qualquer interesse, preciso entender bem qual é o momento que o clube está passando.
E o que te faz acreditar que será diferente no Juventude?
A energia do Juventude é muito positiva. O Coritiba é mais pesado, quando cheguei já senti algo mais carregado que não encontrei no Juventude e Botafogo. Por já ter vivido no Rio Grande do Sul, me sinto em casa por ter um lado bem gaúcho em relação ao trabalho e culturalmente. Não é novidade vir para cá.
O que você vem fazendo para ter resultado e, ao mesmo tempo, colocar suas ideias
de jogo já na reta final da temporada?
O principal é analisar o que foi deixado de bom nos trabalhos de Roger Machado e Jair Ventura. Não tem uma fórmula exata para chegar dizendo o que é certo ou errado. Tenho que entender onde o cenário é mais ou menos caótico. Inclusive, vejo poucos treinadores valorizando outros. A vaidade e o egoísmo dificultam o desenvolvimento e o surgimento de novos treinadores, o que atrapalha justamente a nova geração.
Qual é o seu maior sonho no futebol? E o maior medo?
Trabalhei a vida inteira para me tornar referência a nível nacional e para treinadores em formação. O reconhecimento é o fantasma que persegue quem trabalha na base há muito tempo. Eu passei por todas as categorias, fiz o processo "chão por chão". Isso não é fácil porque o cenário do futebol brasileiro é caótico, mas acredito muito na competência e no tempo do trabalho. Sou jovem no mercado profissional, não no futebol, o que é bem diferente. Já fui contratado por pessoas que não conheciam, de fato, meu trabalho.
Como matar a saudade da família com a correria do futebol?
Eu fui privilegiado porque minha família sempre me acompanhou até a minha ida ao Botafogo. Só que quando você entra no mercado profissional, já não tem como isso acontecer. Minha esposa Denise e meus dois filhos moram no Rio de Janeiro. Inclusive, o Luís, o mais velho, joga no sub-16 do Botafogo. Eles também têm que criar a vida deles. Matamos a saudade por ligação de vídeo. Minha esposa e o mais novo vêm me acompanhar na reta final do Brasileiro.
Fábio Matias/ Técnico do Juventude