Energia nuclear cresce no mundo enquanto angra 3 espera decisão
Enquanto o governo brasileiro adia a decisão de retomar ou não as obras da usina nuclear ...
Enquanto o governo brasileiro adia a decisão de retomar ou não as obras da usina nuclear Angra 3, no litoral sul do Estado do Rio, 14 reatores nucleares entraram em construção no mundo desde o ano passado. Onze na China. Vão integrar geradoras de eletricidade que somam uma capacidade de 15,8 gigawatts (GW), pouco superior à das maiores hidrelétricas do mundo, Itaipu, entre Brasil e Paraguai, e Três Gargantas, na China.
Para os defensores da matriz nuclear, o avanço é uma evidência de que essa fonte é imprescindível para a descarbonização da geração de energia para enfrentar as mudanças climáticas. É também um dos argumentos da Eletronuclear para a retomada da construção de Angra 3, iniciada há 40 anos, ao lado das duas já operadas pela estatal, além do fato de que concluí-la ou abandoná-la tem um custo bilionário parecido. Os críticos argumentam que os riscos e complexidades não compensam diante da abundância de fontes renováveis no país.
Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com os 14 recentes, há 63 projetos nucleares em curso em 15 países, incluindo Angra 3. Combinada, essa nova capacidade chega a 66,1 GW, pouco menos de um terço de todo o parque elétrico brasileiro, de 206 GW, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia (MME). Há duas semanas, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), capitaneado pelo MME e formado por representantes de diversas pastas, adiou a decisão sobre a obra, paralisada desde que foi alvo da Operação Lava-Jato. Um sinal verde agora permitiria recomeçar as obras no início de 2026, com previsão de conclusão em 2031. Houve divergências entre ministros e dúvidas sobre o impacto fiscal.
A construção da terceira usina nuclear brasileira começou em meados dos anos 1980, mas crises econômicas e escândalos de corrupção, investigados na Operação Lava-Jato, pararam tudo mais de uma vez. Em 2021, uma lei encarregou o BNDES de fazer um estudo de viabilidade. O trabalho estimou custo de desistir de vez de Angra 3 em R$ 21 bilhões, incluindo a quitação de dívidas e multas a fornecedores e até a devolução, para a União, de isenções tributárias. A conclusão requer R$ 23 bilhões, mas exigirá a captação de cerca de R$ 30 bilhões para reestruturar as dívidas.
SETOR AQUECIDO
Entre os argumentos da Eletronuclear em favor de retomar rapidamente a obra está o de que a nova onda de reatores pelo mundo aquece a demanda por peças e serviços do setor, que tem poucos fornecedores. No projeto brasileiro, o principal é a francesa Framatome. Se o Brasil demorar a decidir, poderá enfrentar custos ainda mais elevados e atrasos nos cronogramas numa eventual retomada, afirmou, em novembro, o presidente da estatal, Raul Lycurgo:
" Temos contratos. As empresas se mantêm aqui. Se desmobilizarem para assumir outros empreendimentos, podemos esbarrar em falta de capacidade.
Para Aquilino Senra, professor da Coppe/UFRJ, o aumento dos projetos, com destaque para a concentração na China, está ligado ao avanço da economia de baixo carbono:
" A transição energética pressupõe ter energia na base, não é só com renováveis. E, hoje, a que menos impacta em termos de emissões de gases do efeito estufa é a nuclear.
O especialista, que foi presidente da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB) no governo Dilma Rousseff, lembra que a transição exigirá uma multiplicação do parque elétrico mundial. Ainda mais por causa da demanda energética de sistemas de inteligência artificial (IA) ou de blockchain, tecnologia por trás das criptomoedas. A Meta, dona de Facebook e Instagram, por exemplo, anunciou recentemente que poderá investir numa capacidade de 4 GW de geração nuclear para abastecer seus datacenters.
Para Senra, a experiência recente da Alemanha, que desativou seus reatores nucleares por decisão política após o acidente de Fukushima, no Japão, em 2011, ilustraria o risco de abrir mão da tecnologia:
" A tarifa de eletricidade na Alemanha era, há três ou quatro anos, 35% mais cara que no resto da Europa. Eles contavam com o gás natural que vinha da Rússia e com a energia que vem da França, majoritariamente de fonte nuclear. Quando fecharam o gasoduto da Rússia, no início da guerra na Ucrânia, tiveram que começar a queimar carvão.
Senra defende a conclusão de Angra 3, mas o projeto enfrenta uma série de críticas. Do ponto de vista ambiental, o descarte dos rejeitos segue como a principal ameaça. Do ponto de vista econômico, os problemas são os custos bilionários da obra e a tarifa viável, considerada elevada frente a outras fontes do país. O BNDES estimou em R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh) a tarifa necessária para deixar o projeto de pé. Para a Eletronuclear, o preço está condizente, mas o valor é o dobro da tarifa de Angra 1 e Angra 2 em 2025. Reduzir o preço passa por encolher o retorno do investimento para a Eletronuclear " para a União, em última instância " ou criar subsídios com recursos do Orçamento.
OBRAS PARADAS
Enquanto o CNPE não decide o destino de Angra 3 " uma reunião está prevista para o fim de janeiro ", o canteiro de obras dá contornos de filme-catástrofe ao trecho paradisíaco do litoral da Serra do Mar em que está instalado, como constatou O GLOBO, em visita no fim de novembro. O cenário só não parece de abandono total em razão dos operários que transitam pelas estruturas de concreto armado. Segundo a Eletronuclear, 330 trabalham ali, principalmente, na preservação do canteiro. Se a conclusão for autorizada, no auge dos trabalhos, 7 mil baterão o ponto todos os dias.
Em termos físicos, 67% das obras estão concluídas. A estrutura do prédio do reator, uma esfera gigante de concreto e aço, que será idêntico ao da vizinha Angra 2, já está levantada. Falta finalizar o teto do domo, cujas placas descansam ao relento. Evitar a deterioração das estruturas de concreto, algumas com vigas de aço aparentes, consome cerca de R$ 100 milhões por ano, segundo a Eletronuclear. A estatal gasta ainda mais R$ 120 milhões anuais com funcionários já contratados para Angra 3.
Quando se soma o pagamento das dívidas contraídas por volta de 2010, última vez em que a obra foi retomada a pleno vapor, o custo total anual chega perto de R$ 1 bilhão. No caso do empréstimo com o BNDES, a Eletronuclear conseguiu suspender pagamentos a partir de 2024, mas o banco já informou que quer retomar a cobrança em janeiro.
Ao lado do canteiro quase abandonado, um conjunto de galpões, que somam 57 mil metros quadrados, guarda um dos aspectos mais inusitados da obra que se estende por décadas. Estão ali cerca de 12 mil volumes, que podem conter mais de um item, de máquinas, equipamentos e materiais comprados para Angra 3.
Segundo Bruno Bertini, chefe do Departamento de Montagem Eletromecânica da Eletronuclear, 85% de todos os equipamentos que a nova usina precisará já estão ali. Cerca de 1,3 mil volumes estão guardados desde a década de 1980 ou início da de 1990, incluindo bombas mecânicas de grande porte. Para não estragar, parte do maquinário foi embalada a vácuo. De tempos em tempos, os itens são abertos, lubrificados e reembalados. Alguns foram "pressurizados com nitrogênio", diz Bertini. Outros, quando " e se " forem instalados em definitivo, deverão ter peças trocadas, como as feitas de borracha, ou precisarão passar por pintura.
" É um trabalho no qual, infelizmente, nos tornamos experts " afirma o gestor.
Ele diz que a idade dos equipamentos não compromete a conclusão de Angra 3. Os itens mais antigos, em geral, são mecânicos, cuja "tecnologia não mudou" da década de 1980 para cá. Alguns volumes, principalmente equipamentos elétricos, acabaram virando peças de reposição ou reparo para Angra 2, idêntica à usina em construção.
Outros 88 volumes, alguns dos principais, estão em Itaguaí (RJ), nas instalações da Nuclep, estatal fabricante de equipamentos.