‘A dúvida é saber se o brasil sofrerá taxação geral ou de produtos especificos’
entrevista
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O governo brasileiro já deve ter se preparado para reagir a uma possível imposição tarifária por parte do governo dos Estados Unidos, afirma Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e pesquisador do Policy Center for the New South. Para o economista, a taxação sobre produtos brasileiros " especialmente aço e alumínio " é apenas questão de tempo, assim como a que vem se desenhando sobre a União Europeia (UE).
Há risco de o Brasil ser afetado por aumento de tarifas?
É uma mera questão de tempo até o Brasil ser afetado. Semana que vem Trump vai anunciar para a União Europeia. O Brasil será afetado. Vejo duas trajetórias possíveis na área comercial. Uma delas tem fins transacionais " ou seja, ameaça para negociar e obter concessões, inclusive no setor comercial dos demais países. Por outro lado, há uma segunda linha, em que se acredita que as tarifas são um mecanismo legítimo para resolver déficits comerciais. Para eles, os déficits comerciais representam um dano à economia americana. E sabemos que vai ter retaliação. É evidente que ele vai ter que compensar esse tiro no próprio pé, estabelecendo tarifas sobre os outros. Isso pode ser o começo de uma história dolorosa. A dúvida apenas é como vai chegar ao Brasil. Ele pode optar por uma tarifa geral ou por medidas mais específicas. O nosso pessoal de aço e alumínio tem que estar preocupado agora.
O presidente Lula afirmou que o Brasil responderia de forma recíproca, mas especialistas dizem que a resposta estaria limitada. Temos condição de responder à altura?
A China já entrou com um pedido na OMC, mas não vai esperar o resultado. Ela vai aplicar (taxas) assim como fez no primeiro mandato de Trump. Até porque a OMC está, na prática, paralisada como órgão apelativo. O tribunal de apelação está incompleto porque os juízes que deveriam ser indicados pelos EUA não foram nomeados.
Infelizmente, a ordem global está de cabeça para baixo. Não temos neste momento nenhum sistema de regras que prevaleça. Por isso mesmo, o Canadá não esperou ação na OMC para responder e já anunciou sua retaliação. Imagino que o governo brasileiro esteja fazendo ou já tenha feito o dever de casa de verificar como poderá jogar tarifas de volta. O Brasil tem um escopo mais limitado do ponto de vista do que pode fazer. Os americanos poderão não usufruir tanto das exportações brasileiras de suco de laranja, de cana-de-açúcar e alguns outros produtos, mas não é tão doloroso. Mas, para o Brasil, pior é não fazer. É claro que isso pode dar lugar a outras rodadas do Trump, mas já vimos esse mundo nos anos 1930. No limite, todo mundo sofre nesse cenário.
O que essa escalada das tarifas representa para as trocas comerciais?
Os preços vão subir porque as cadeias produtivas não mudam da noite para o dia a configuração de produção. Essas cadeias são integradas. E há também o impacto nas taxas de câmbio. Não é fortuito que desde a campanha eleitoral, especialmente após a vitória do Trump, o peso mexicano e o dólar canadense tenham se deteriorado em relação ao dólar americano, antevendo um impacto maior e mais imediato sobre os parceiros comerciais dos EUA.
Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial