Renegociações em série não conseguem sanar dívida dos estados
A aprovação final do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), em ...
A aprovação final do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), em janeiro, foi a 12ª renegociação dos débitos dos governos locais com a União desde 1997, trazendo novamente à tona uma questão que assombra a gestão pública no país. O problema soma R$ 817 bilhões, valor atual das dívidas dos estados e municípios com o governo central em Brasília.
Na terceira reportagem da série Estado (in)eficiente, especialistas explicam que o vaivém nas condições de cobrança desse passivo dificulta a gestão das finanças públicas no país, com efeitos sobre a estabilidade da economia e o financiamento de serviços como saúde, educação e segurança pública.
Em 1997, a União assumiu as dívidas dos estados com outros credores, e os governos locais ficaram devendo ao governo central. O passivo foi refinanciado em cerca de 30 anos " terminaria de ser pago daqui a dois anos se não tivesse sido renegociado ", e os estados ficaram proibidos de tomar novas dívidas sem autorização federal, incluindo a emissão de títulos públicos.
O objetivo, conta Pedro Parente, secretário-executivo do Ministério da Fazenda na época, era ajustar as contas públicas. Nos primeiros anos do Plano Real, o desequilíbrio ameaçava a estabilização. E havia descontrole, marcado por duas "fontes espúrias" dos governos estaduais, diz Parente.
A primeira eram os bancos públicos, que emprestavam para os governos, mesmo que ficassem abaixo das reservas mínimas junto ao Banco Central (BC). A segunda, as distribuidoras de eletricidade, estatais estaduais que ficavam com as receitas da conta de luz, mas frequentemente atrasavam pagamentos às usinas geradoras, quase todas federais, embolsando a diferença.
situação desigual
Para piorar, muitos se endividaram excessivamente, lançando "letras estaduais", um tipo de título público. Um calote poderia provocar um efeito em cascata, e a conta sobraria para a União.
" Bolamos um sistema de autoliquidação da dívida. Dissemos aos estados, e depois aos municípios, que toparíamos fazer um refinanciamento geral da dívida, desde que privatizassem o banco estadual e a distribuidora " rememora Parente, que também foi ministro-chefe da Casa Civil e presidente da Petrobras, e hoje é sócio da empresa de participações EB Capital.
Os governos estaduais tiveram que usar parte dos recursos levantados com as privatizações para abater as dívidas consolidadas. E o refinanciamento limitou o pagamento mensal entre 11% e 13% de sua receita corrente líquida.
" Foi uma enorme vantagem para os estados. E, para o governo federal, representou o fim dessas fontes espúrias " afirma o ex-ministro.
A reorganização serviria para incluir estados e municípios no esforço de ajuste fiscal. Após o acordo de 1997, governos locais passaram a registrar superávit, lembra o Parente.
Para o ex-governador Paulo Hartung, que comandou o Espírito Santo por três mandatos, o sistema era bom, mas não teve continuidade. Talvez tenham faltado incentivos para que os governos locais cumprissem a lei e mantivessem as contas equilibradas, independentemente da visão dos governantes.
" Talvez tenha faltado um estímulo para induzir ao acerto. No Brasil, normalmente, se induz ao erro " diz Hartung.
O Ranking de Competitividade dos Estados Brasileiros, do Centro de Liderança Pública (CLP), evidencia os erros. Carla Marinho, gerente de competitividade do CLP, chama a atenção para a discrepância entre os estados em um dos componentes do ranking, o índice de Solidez Fiscal. Na primeira colocação em 2024, o Espírito Santo registrou 100 pontos, seguido por Mato Grosso (95,7). A Bahia, em terceiro, ficou com 69,7 pontos.
" A distância do primeiro e do segundo colocados para a média é muito grande. Os estados estão com o conjunto muito ruim " diz Carla.
Para a especialista, alguns estados com problemas estruturais têm desempenho no índice de Solidez Fiscal atrapalhado pelo tamanho da dívida, mas contam aspectos como planejamento orçamentário e gasto com pessoal.
Para Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) e pesquisador da UnB, a recessão de 2014 a 2016, uma das maiores da História, justificou algumas renegociações de dívidas.
problema da previdência
Isso porque a receita pública vem, majoritariamente, da cobrança de taxas sobre valores movimentados por empresas e consumidores. Por isso, a arrecadação tributária é proporcional ao crescimento econômico. Quando a economia afunda em recessão, a receita desaba. Ao mesmo tempo, as despesas com serviços públicos, salários de servidores e Previdência se mantêm.
Só que o quadro era diferente, diz Pires:
" Naquela situação, o argumento em prol de alguma reestruturação era muito forte, e o governo federal fez isso. Hoje, a situação é bastante diferente, tem havido descentralização fiscal. Vários recursos da União estão sendo descentralizados para estados e municípios. A situação melhorou.
Engrossando o coro de críticas ao Propag, o especialista em contas públicas Fabio Giambiagi, pesquisador do FGV Ibre, ressalta que, nesse cenário, medidas que aumentem a eficiência da máquina pública nos governos locais farão pouca diferença para equilibrar as contas " no ranking do CLP, o endividado Rio Grande do Sul lidera no índice de Eficiência da Máquina Pública, por causa de boas políticas de digitalização de serviços, transparência de dados e participação de mulheres no funcionalismo.
O consultor Raul Velloso, especialista em contas públicas, vem batendo na tecla de que o problema é previdenciário. E ajustes nas regras de aposentadoria não adiantariam. Velloso defende saneamento das previdências estaduais, com coordenação da União, para "equacionar" desequilíbrios que tendem a piorar com o envelhecimento da população.
Sem isso, as contas seguirão no vermelho, com os cortes de despesas recaindo sobre os investimentos. O problema, segundo Velloso, é que há uma correlação positiva entre o avanço dos investimentos públicos e o crescimento econômico, ou seja, a continuidade dessa dinâmica impedirá o avanço da economia:
" O investimento público desabou, porque, por trás dele, tem o gasto com Previdência ocupando cada vez mais espaço orçamentário.