Lunes, 28 de Abril de 2025

‘A bola não está do nosso lado’, diz lavrov sobre negociação com ucrânia

BrasilO Globo, Brasil 28 de abril de 2025

Entrevista

Entrevista
Os ministros das Relações Exteriores do Brics se reunirão hoje e amanhã no Rio para preparar o encontro de presidentes, em julho. Um dos que estarão presentes é o chanceler russo, Serguei Lavrov. Em entrevista ao GLOBO, o ministro do governo de Vladimir Putin diz apoiar propostas da presidência brasileira do Brics, como a ampliação do Conselho de Segurança da ONU, e, sobre a guerra entre seu país e a Ucrânia, acusa Kiev de se retirar da mesa de negociações. As conversas com o governo de Donald Trump, disse Lavrov, foram positivas: "Esperamos que isso os ajude no diálogo com Kiev e com países europeus individuais." A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por e-mail.
O Brasil defende a expansão do Conselho de Segurança da ONU. Qual é a posição da Rússia sobre isso? Apoiaria a inclusão do Brasil?
A Rússia acredita na necessidade de uma reforma bem pensada do Conselho de Segurança como um dos principais órgãos da ONU, que, de acordo com sua Carta, tem a responsabilidade primária de manter a paz e a segurança internacionais. É absolutamente claro para nós que a formação de uma ordem mundial multipolar pressupõe uma expansão da representação no Conselho de Segurança da ONU do Sul e do Leste Global " isto é, os países da Ásia, África e América Latina. Consideramos o Brasil, que realiza uma política externa independente e é capaz de fazer uma contribuição significativa para a solução de problemas internacionais, um candidato digno para ser membro permanente. Apoiamos também a candidatura da Índia, simultaneamente com uma decisão positiva sobre a representação do continente africano no Conselho. Aproveitando a oportunidade, gostaria de enfatizar que somos contra a concessão de assentos adicionais aos países ocidentais e seus aliados " já há muitos deles no Conselho de Segurança. Não estamos prontos para apoiar as candidaturas da Alemanha e do Japão devido ao renascimento da ideologia do militarismo nesses países e suas políticas abertamente hostis em relação à Rússia.
Durante uma reunião sobre planejamento de política externa dos países do Brics, a delegação russa mencionou discussões com os EUA sobre o conflito na Ucrânia. Que possibilidades o senhor vê para que essas conversas levem a negociações entre Rússia e Ucrânia para acabar com o conflito?
Em contatos com representantes do governo dos EUA, falamos em detalhes sobre as causas e as raízes da crise ucraniana. Explicamos a nossa visão dos parâmetros para sua solução final, levando em consideração os interesses legítimos da Rússia, principalmente na área de segurança e garantia dos direitos humanos. Nossa impressão é que nossos interlocutores americanos começaram a entender melhor a posição da Rússia sobre a situação na Ucrânia. Esperamos que isso os ajude no diálogo com Kiev e com países europeus individuais. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, informou-me no mesmo dia sobre esse contato em Paris de 17 de abril. Ele garantiu que as discussões foram conduzidas em linha com as consultas anteriores entre Moscou e Washington.
Continuamos abertos às negociações. Mas a bola não está do nosso lado. Até agora, Kiev não demonstrou sua capacidade de negociação. Então, como se pode explicar o fato de que as Forças Armadas ucranianas não foram capazes de observar nem a moratória de 30 dias sobre ataques a instalações energéticas (18 de março a 17 de abril) nem a trégua de Páscoa de 30 horas (das 18h de 19 de abril à 0h de 21 de abril)? O regime de Volodymyr Zelensky demonstrou falta de vontade política para a paz e relutância em abandonar a continuação da guerra, o que é apoiado por círculos russofóbicos em vários países da União Europeia (UE), principalmente França e Alemanha, bem como na Grã-Bretanha.
A ideia de criação de uma moeda do Brics ainda é uma perspectiva distante?
Recentemente, a desdolarização se tornou uma das principais tendências no desenvolvimento da economia mundial. Isso se deve à falta de confiança nos mecanismos financeiros internacionais controlados pelo Ocidente. É prematuro falar sobre a transição do Brics para uma moeda única. Nossos esforços conjuntos visam criar uma infraestrutura de pagamento e liquidação para transações transfronteiriças entre os países do Brics. Em particular, estamos falando sobre o uso mais ativo das moedas nacionais. Poderemos voltar à questão de uma moeda comum ou unidade de conta para o Brics quando surgirem as condições financeiras e econômicas necessárias para isso.
O senhor acha que outros países poderiam ser incluídos em futuras negociações de paz, como o Brasil, que mantém diálogo com ambos os lados?
A Rússia aprecia o desejo dos nossos parceiros de contribuir para a criação de condições para uma solução pacífica da crise ucraniana. Mais de 20 países e diversas organizações regionais da América Latina, Ásia e África apresentaram iniciativas semelhantes. O Brasil estava entre eles. Em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a ideia de criar um formato de negociação multilateral. Pode-se dizer que isso se refletiu na iniciativa brasileiro-chinesa de estabelecer o "Grupo de Amigos da Paz na Ucrânia" na ONU. Suas atividades gradualmente ganham força. Foram realizadas três reuniões dessa plataforma. Há razões para crer que o grupo tem chance de se tornar um clube respeitado de países do Sul e do Leste Global. É importante que todos os membros do Grupo de Amigos levem em consideração as causas centrais da crise e sejam guiados pelos princípios da Carta da ONU em sua totalidade e inter-relação. O princípio da soberania e da integridade territorial dos Estados não pode ser considerado isoladamente do direito dos povos à autodeterminação e à proteção dos direitos humanos, independentemente de idioma, raça, gênero e religião.
Quais condições seriam necessárias para a Rússia hoje para sentar-se à mesa e negociar com a Ucrânia?
Já respondi parcialmente a esta pergunta. Foi Kiev que se retirou do processo de negociação em abril de 2022. E ele fez isso a pedido de seus curadores ocidentais. Então, em setembro do mesmo ano, Volodymyr Zelensky introduziu uma proibição legislativa às negociações com a Rússia. Ainda está em vigor. Para retomá-las, será necessário cancelá-la. Em uma entrevista recente à CBS News, Zelensky mais uma vez se manifestou contra as negociações com o nosso país. Permitam-me citar as palavras dele: "Não podemos confiar na Rússia. Não podemos confiar nas negociações com a Rússia." Nossa posição sobre o acordo é bem conhecida. Partimos do fato de que a não adesão de Kiev à Otan e confirmação de seu status neutro e não alinhado, de acordo com a Declaração de Soberania Estatal da Ucrânia de 1990, é um dos dois pilares para uma solução final da crise ucraniana que atenda aos interesses de segurança da Rússia.
A segunda é superar as consequências do regime neonazista em Kiev, formado como resultado do golpe de fevereiro de 2014, incluindo suas ações para exterminar legislativa e fisicamente tudo o que é russo " língua, mídia, cultura, tradições e a ortodoxia canônica. O reconhecimento internacional da propriedade russa da Crimeia, Sevastopol, República Popular de Donetsk, República Popular de Lugansk, região de Kherson e Zaporíjia é imperativo. Todos os compromissos de Kiev devem ser legalmente garantidos, ter mecanismos de execução e ser permanentes. Estão na agenda as tarefas de desmilitarização e desnazificação da Ucrânia, o levantamento de sanções, ações judiciais e mandados de prisão e a devolução de ativos russos "congelados" no Ocidente. Também buscaremos garantias confiáveis de segurança da Federação da Rússia contra as ameaças criadas pelas atividades hostis da Otan, da UE e dos seus estados membros individuais nas nossas fronteiras ocidentais.
Serguei Lavrov/ CHANCELER
La Nación Argentina O Globo Brasil El Mercurio Chile
El Tiempo Colombia La Nación Costa Rica La Prensa Gráfica El Salvador
El Universal México El Comercio Perú El Nuevo Dia Puerto Rico
Listin Diario República
Dominicana
El País Uruguay El Nacional Venezuela