Lunes, 12 de Mayo de 2025

‘Agarrei a corrida com muito amor’

BrasilO Globo, Brasil 11 de mayo de 2025

VIVI PARA CONTAR

VIVI PARA CONTAR
Meu nome é Ana Luiza Rigue, sou estudante, tenho 21 anos e há três fiz uma promessa: correr uma meia maratona para me conectar com minha mãe, Luciana Gambarato. Eu nunca havia corrido, mas estava disposta a encarar 21km depois que ela sofreu um AVC. A situação era delicada: ela ficou 57 dias na UTI, e tive medo de que não voltasse para casa.
Minha mãe correu a vida inteira, sempre foi apaixonada. E, claro, tentava me puxar também. Nunca deu certo. Cheguei a acompanhá-la algumas vezes em treinos, mas não me empolgava. A gente sempre acha que outra oportunidade surgirá. A verdade é que nunca surgiu. A gente nunca correu uma prova juntas.
Em 11 de março de 2022, uma sexta-feira, ela sofreu um AVC. Na semana anterior, tinha me ligado todos os dias me pedindo para ir para Americana (SP), onde minha família mora. Eu tinha me mudado havia um mês para São Paulo para estudar no Insper. E não podia visitá-la na ocasião. Mas planejei voltar para casa de surpresa.
Peguei a estrada na sexta-feira de manhã. Enquanto rolava o caos em Americana, eu estava viajando, sem saber de nada. Quando cheguei, liguei para meu pai e fui direto ao hospital. Quando me viu, ele começou a chorar. Nunca mais o vi chorar. Até tentei trancar a faculdade, mas não deu. Isso foi angustiante, porque eu estava fisicamente longe.
Naquela situação, senti que precisava me aproximar da minha mãe de alguma forma. Queria algo que me deixasse sentir que estava ali ao lado, no Hospital São Francisco. Foi quando tive a ideia de correr.
UM NOVO COMBUSTÍVEL
A corrida sempre foi muito especial para ela, e me propus a fazer com que fosse especial para mim também. Coloquei na cabeça que correndo eu estaria com ela, seria uma forma de tê-la no coração e no pensamento. E foi o que aconteceu. Quando corria, lembrava-me das vezes em que eu a havia acompanhado nos treinos e transportava essas imagens para o presente. Foi assim que comecei a correr: meio forçada, sem gostar.
Antes de ela sair da UTI, fiz uma promessa. Entrei no quarto " minha mãe tinha acabado de operar, estava entubada e em coma ", me ajoelhei e, com o terço da minha avó, comecei a rezar e a chorar muito. Falei para ela: "Mãe, se você sair viva da UTI, vou correr a Meia Maratona do Rio para você". Era a prova preferida dela.
Se ela tinha força para aguentar a UTI, eu teria para a corrida. O que são 21km? E fui me preparar para a prova. Essa preparação foi o que me empurrou. Ligava para o meu pai e contava o quanto os treinos estavam difíceis, mas que havia pensado na mamãe e encarado tudo. Era difícil, todos os dias eu queria desistir, mas pensava nela.
A corrida acabou transformando a minha vida. Me transformou em uma filha melhor, em uma irmã melhor. Hoje, o João Pedro e o Marco Antônio têm 16 e 14 anos. Mas eles eram menorzinhos e sentiam muito a falta dela. Eu não sei, mas acho que foi instinto de mulher. Tenho a impressão de que toda mulher nasce com chip de mãe na cabeça. Meu pai tomou a frente de tudo, mas eu estava sempre ao seu lado. Para o Nino, não foi nada fácil. Ele teve de segurar as pontas da família. Saiu de nunca ter lavado uma louça ou pisado no mercado para virar o pai e a mãe.
Todos ficamos mais amorosos. A gente era uma família que não falava ‘"eu te amo". Hoje, falo 800 vezes por dia para minha mãe, meu pai e meus irmãos. Um segura a barra do outro, ninguém solta a mão de ninguém. A dor nos uniu.
MOMENTO DE EMOÇÃO
É claro que fico triste por pensar que não tive a oportunidade de correr ao lado dela. Mas esse vácuo virou nosso combustível. A gente ainda vai correr juntas.
Minha mãe tem limitações. O AVC paralisou o lado direito do corpo, e os músculos atrofiaram. Ela consegue andar devagar, com a perna arrastada. A fala foi mais afetada. Brinco que há três anos jogamos Imagem e Ação. Ela aponta para as coisas e se faz entender. Mas não é do tipo que se conformou. Tem vontade de melhorar. Faz fisioterapia, fonoaudióloga, vai à academia... Está sempre lutando.
No ano passado, eu corri a tal Meia Maratona do Rio, a prova da minha vida. Corri do início ao fim com um sorriso no rosto. Mas não foi fácil. Quando cheguei ao km 19 senti muita dor, estava passando mal. Só fechei os olhos e pensei nela. Faltavam apenas 2km. E fui. Tenho o vídeo da chegada e na legenda coloquei: "Você sempre falou que ia no meu ritmo, e hoje eu fui no seu".
O momento mais emocionante foi quando cruzei a linha de chegada com ela. Foi em outra prova, de 10km, em São Paulo. Uma amiga e o namorado, que é videomaker, estavam na linha de chegada. Do nada, me deu a ideia: mandei mensagem e pedi que filmassem quando eu pegasse a minha mãe. Foi no improviso, uma surpresa para minha mãe também. Peguei na sua mão, e a gente foi bem devagarzinho e chorando. As pessoas em volta, que nem nos conheciam, entenderam o momento e se emocionaram junto.
Já perdi a conta de quantas corridas fiz desde então. Virou minha válvula de escape. Quando estou triste, irritada ou muito feliz, eu vou correr. Mas ainda não completei outra meia maratona. Tentei em dezembro, me lesionei e saí de ambulância. Farei outra. Não desisto.
Sei que minha mãe fica feliz quando me vê correndo. Ela deve pensar que rolou um legado, que a corrida não parou nela. Agarrei a corrida como forma de sobrevivência e com muito amor. Nunca esqueci a frase do médico quando o quadro dela se acalmou: "Sua mãe não morreu por dois motivos: porque é corredora e porque é mãe. Não ia deixar de ir à sua formatura e à dos seus irmãos. Ela irá".
É o que sempre falo e virou nosso mantra: "Mãe, a gente ainda vai correr juntas".
*Em depoimento à repórter
Carol Knoploch
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