Martes, 13 de Mayo de 2025

Após fim do controle cambial, milei quer que argentinos usem seus dólares

BrasilO Globo, Brasil 12 de mayo de 2025

Fora do colchão

Fora do colchão
Ao contrário do que muitos esperavam, a decisão do presidente da Argentina, Javier Milei, de suspender o chamado cepo, vigente desde 2011 " salvo uma interrupção temporária no governo de Mauricio Macri (2015-2019) " e que impunha limitações ao mercado cambial, o país, famoso no mundo por seus sobressaltos financeiros e econômicos, entrou em uma fase de normalização e estabilidade. O dólar não disparou, não houve corridas, e o movimento nas chamadas cuevas (cavernas), onde se opera com o dólar paralelo ou blue, diminuiu de forma expressiva, conforme a reportagem do GLOBO constatou no centro de Buenos Aires.
Depois dessa operação bem-sucedida, que reflete um clima de maior confiança no país, o presidente argentino tem agora um segundo objetivo: conseguir que seus compatriotas injetem no sistema cerca de US$ 214 bilhões que guardam " em alguns casos, literalmente " debaixo do colchão.
Sem justificar origem
Tirar o dinheiro dos argentinos de colchões, armários e até mesmo de debaixo da terra, como mostrou o famoso filme "A odisseia dos tontos" (de 2019, com Ricardo Darín), é um plano que foi comentado até mesmo pela diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva.
" Foi-me dito, não sei se é verdade, que mais de US$ 200 bilhões estão guardados debaixo dos colchões dos argentinos, ou sabe lá Deus onde. Se esse dinheiro for investido na Argentina, imaginem o que seria esse país " declarou Georgieva recentemente, em Washington.
A Casa Rosada deve anunciar medidas para promover a injeção dos dólares que estão fora do sistema " basicamente por falta de confiança, um dos principais problemas de todos os governos argentinos após a redemocratização " nas próximas semanas.
Milei já fala abertamente sobre o tema, mas ainda não está claro quando o plano ficará pronto. O pilar da medida será a dispensa da obrigação de justificar a origem do dinheiro.
" Vocês não colocaram os dólares debaixo do colchão porque odeiam o país. Vocês colocaram os dólares debaixo do colchão porque do outro lado havia um conjunto de filhos da p*, delinquentes, que roubaram com o imposto inflacionário " afirmou Milei na semana passada.
O presidente argentino, que em sua campanha eleitoral de 2023 havia prometido dolarizar a economia, agora fala em "dolarização endógena". Numa situação de estabilidade como poucas vezes se viu na Argentina nas últimas décadas, Milei pretende que os dólares dos próprios argentinos modifiquem, aos poucos, o sistema cambial do país. No futuro, afirmou o presidente, apenas impostos deveriam ser pagos com pesos. Nesse cenário, voltou a surgir a ideia de fechar o Banco Central.
" Com esta remonetizacão, o peso continuará se valorizando, mas ficará tão pequeno em relação à quantidade de dólares, que o sistema se dolarizará de forma endógena. Quando isso acontecer, poderemos fechar essa instituição (o BC) que tanto dano causou aos argentinos " assegurou o presidente.
Decidido a não retomar o ritmo de emissão de pesos do passado e manter a qualquer custo o equilíbrio fiscal, a aposta de Milei agora é conseguir que os argentinos confiem em seu governo e usem os dólares que têm guardados para operar no mercado interno. Seja a compra de um carro, imóvel, ou o investimento em uma empresa. A estabilidade foi conquistada, agora falta consolidar a confiança.
’Cuevas’ têm fechado
No Centro de Buenos Aires, os famosos arbolitos (arvorezinhas, em tradução livre) continuam anunciando a quem passa por lá que "vendo dólares", mas o movimento é baixíssimo. Na Rua Florida, a reportagem do GLOBO contou pelo menos 15 cambistas em um único quarteirão, e nenhum deles estava fazendo uma operação.
Perguntado pela situação atual, após a suspensão do cepo, um dos cambistas contou que "os turistas desapareceram, porque o país ficou muito caro, os correntistas que trocam quantidades pequenas passaram a ir a bancos ou casas de câmbio oficiais, e os que restaram foram clientes corporativos". Uma cueva que funcionava nos fundos de uma loja de sapatos na Avenida Corrientes não existe mais. Uma vendedora da loja comentou que "eram cambistas que alugavam os fundos da loja, mas foram embora há alguns meses". Os sinais de normalização são cada vez mais evidentes.
Mas ainda existem setores que precisam operar no paralelo. Na Argentina, a grande maioria das pequenas e médias empresas tem uma parte de sua contabilidade, como se diz no país, "em negro". É a maneira como os argentinos se referem à informalidade em suas finanças. São empresas ou comerciantes que recebem pagamentos em espécie, pagam salários por fora do sistema financeiro e fazem malabarismo para pagar menos impostos. Isso os obriga a continuar operando no mercado paralelo, contou um dos cambistas consultados.
O objetivo de Milei é reduzir isso a zero. Mas não será fácil, alerta o economista Gustavo Lazzari, que possui uma pequena empresa de embutidos, com 30 funcionários.
" Há décadas os argentinos convivem com o que chamo de risco confiscatório. Já perdemos a conta da quantidade de vezes que o governo adotou medidas que nos prejudicaram. Se Milei conseguir que as pessoas tirem o dinheiro de debaixo do colchão, será revolucionário " diz Lazzari.
Nas palestras que faz em empresas do interior do país, o economista afirma que apenas 40% da população argentina têm alguma memória de períodos de estabilidade. O último foi a década de 1990, quando o regime da conversibilidade atrelou o peso ao dólar. Os mais jovens, frisa Lazzari, "não fazem a menor ideia do que é viver numa economia estável":
" O que estamos vivendo é inédito para muitas pessoas.
Crise no padrão de vida
A suspensão do cepo, enfatiza o economista, "deu previsibilidade aos empresários, aos exportadores, aos importadores". Este mês, comentou, várias empresas de seu setor viajaram para uma feira na Alemanha, para comprar maquinário novo. Lazzari foi um dos poucos que não foi. Ele conta nunca ter visto tanta disposição para investir e crescer por parte de seus concorrentes.
Sua fábrica está no bairro de Mataderos, na capital argentina. Lá, como em todos os bairros portenhos, funcionam cuevas.
Uma delas é comandada por Gabriel Fernández, que começou a trabalhar com compra e venda de dólares durante a pandemia. Ele tem uma concessionária de carros com seu irmão e decidiu, segundo contou, "ajudar os que chegavam com dólares que não podem ser declarados".
" Armamos um círculo de confiança. Hoje, sem cepo, continuo tendo clientes. O dólar ficou mais barato e mais acessível para muitas pessoas. O problema é que hoje a cotação está muito baixa, e isso afeta muito as pessoas comuns que trocam dólares poupados para complementar seus salários " conta Fernández.
Milei estabilizou a economia como várias gerações de argentinos jamais viram. Mas seu plano também encareceu a Argentina, hoje com preços muitas vezes superiores ao de países europeus, dos Estados Unidos e da grande maioria de seus vizinhos. O dólar deixou de ser uma dor de cabeça e uma obsessão nacional. O problema hoje, principalmente para as classes média e média baixa, é conseguir manter o padrão de vida que tinham antes.
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