Martes, 13 de Mayo de 2025

‘Igreja tem que estar presente na política’, diz cardeal da amazônia

BrasilO Globo, Brasil 12 de mayo de 2025

Habemus pope Entrevista

Habemus pope Entrevista
Único cardeal da Amazônia brasileira, Dom Leonardo Steiner afirma que a Igreja precisa atuar na política e ajudar no combate aos problemas sociais. "Não estou falando de política partidária, mas de sermos ativos na sociedade. Essa é uma obrigação nossa", defende. O arcebispo de Manaus conta que se emocionou quando Leão XIV atingiu os votos necessários para virar Papa: "Foi um aplauso sem fim".
Leão XIV disse ter compromisso com a doutrina social da Igreja. Como atualizá-la para hoje?
Somos pessoas que creem e participam da vida em comunidade. A Igreja não está fora da realidade. Deve estar presente na política, por exemplo. Não falo da política partidária, mas de sermos ativos na sociedade. É obrigação nossa. Leão XIII foi o Papa da Rerum novarum, que abordou a questão do trabalho. Hoje a inteligência artificial está substituindo o trabalhador. Leão XIV quer dar uma contribuição a essa realidade.
O que a Igreja pode fazer?
Colocar o tema em discussão, refletir, aprofundar. Francisco, que fazia isso muito bem, já havia dito que a inteligência artificial não substitui a inteligência humana.
Francisco enfrentou críticas por defender a presença da Igreja na política.
O Papa Paulo VI disse que a política é o nível mais alto da caridade, do amor. A política trata do bem comum, da convivência humana. Francisco abordou a questão da economia, que hoje está na mão de menos pessoas. Pelas falas iniciais de Leão XIV, ele também tem uma sensibilidade muito grande para isso.
O senhor também já foi alvo de ataques da extrema direita no Brasil. Como a Igreja deve lidar com isso?
Não devemos dar importância, não vale a pena. O que importa é contribuir para uma sociedade mais justa, a solidariedade e a paz. Não estamos interessados no poder, estamos interessados em servir. A toda a Humanidade, independentemente de cor, religião ou opinião política. Agora, é preciso abertura para conversar. Isso está cada vez mais difícil. Não há possibilidade de escuta com determinados grupos, de tão apegados estão a determinada ideologia. Sem escuta, você não encontra o outro. E não se deixa encontrar pelo outro. Não é fácil, mas é nossa obrigação. Se Jesus disse que devemos amar os inimigos, como não amar as pessoas que pensam diferente?
Quais são os principais desafios da Igreja na Amazônia?
A Igreja na Amazônia é profundamente encarnada. Convive com os ribeirinhos, os indígenas, a pobreza, o desmatamento. Veja a questão do garimpo. Além de destruir a mata, contamina os peixes e as pessoas. O organismo humano não consegue eliminar o mercúrio. Hoje existem crianças indígenas que provavelmente não terão futuro, porque o leite materno já está contaminado. No ano passado, tivemos o problema da seca. Em algumas comunidades, chegamos antes do governo, levando filtro e poço artesiano.
Hoje a destruição da floresta está ligada ao crime organizado. Como isso afeta a Igreja?
Em geral, a Igreja ainda é respeitada por esses grupos. Uma dificuldade é que a Amazônia se tornou um corredor da droga. Em um ou outro caso, já tivemos que mudar o lugar da celebração. Em Manaus, havia uma igreja pequena, provisória, que precisamos fechar.
Como é o convívio com as comunidades locais?
O povo tem uma religiosidade muito encarnada. É outra realidade cultural e religiosa. Muito diferente do Sul, de onde eu vim. Em São Gabriel da Cachoeira, 92% são indígenas. São outras culturas, outras línguas. Também precisamos ajudar a preservar isso, sem impor (a fé cristã).
Como?
Na cosmovisão dos indígenas, há um mundo que é muito largo, muito bonito, em relação próxima com a natureza e com os espíritos, para usar a expressão deles. Não há uma imposição da fé (cristã). Para propor o Evangelho, tentamos fazer com que ele seja atrativo.
Como é a convivência com os evangélicos?
Com anglicanos e luteranos existe uma proximidade e um trabalho em comum. Com certas igrejas, o diálogo é difícil, porque há muito proselitismo. Não queremos fazer proselitismo. Queremos anunciar o Evangelho, estar junto dos pobres, compreender a cultura local e permanecer na linha que Jesus nos ensinou. Tomamos distância desse modo milagreiro de anúncio.
O Sínodo da Amazônia discutiu a possibilidade de ordenar homens casados para suprir a falta de sacerdotes. O debate avançou?
Temos que continuar a conversar. Hoje nenhum diácono da cidade quer morar no interior. Quem é celibatário não tem tanta dificuldade, mas quem é casado precisa ir com a família. Francisco era muito aberto a esse diálogo. Com Leão XIV, acho que a conversa vai continuar.
O que a Amazônia pode esperar do Papa?
Primeiro devemos pensar no que podemos fazer para ajudar o Papa. Gostaria que ele mantivesse a insistência de Francisco no cuidado com o meio ambiente. E também uma abertura para acolher as culturas indígenas. Estamos refletindo a questão do rito amazônico.
Qual é a ideia?
O documento final do Sínodo da Amazônia pediu que se refletisse sobre a possibilidade de um rito com elementos das culturas indígenas. Na cultura xavante, o adolescente passa três anos se preparando fora da aldeia para o rito de passagem. Ele recebe o arco, depois a flecha, depois aprende a usá-lo. Um dos nossos padres criou um rito semelhante para o batismo. O jovem recebe o terço, depois a Bíblia, depois uma cruz. Quando chega o dia, ele percebe que está entrando numa comunidade de fé.
O senhor já convidou o Papa a visitar o Brasil...
Ele já esteve no Brasil, conhece o país. Espero que volte como Papa. E que também vá à Argentina para agradecer pelo que Francisco representou para nós.
O que muda com Leão XIV?
Francisco era um homem muito espontâneo. Leão é um teólogo, um homem do direito. O mais importante é que ele foi bispo em comunidades pobres no Peru. Isso molda a pessoa. Posso lhe dizer que você não sai de (um lugar como) São Félix do Araguaia sendo o mesmo que entrou.
Como foi seu primeiro conclave?
Entramos na Capela Sistina cantando a Ladainha de Todos os Santos. É emocionante. Você vai escolher o Papa, mas não está só. Está invocando toda a Igreja do céu e da terra. É um momento muito intenso. Quando ele alcançou os votos necessários, todos se levantaram, inclusive os que não votaram nele. E foi um aplauso sem fim. Depois a coisa acalmou e continuou a contagem.
Até o fim?
Até o fim, porque tem ata. Está tudo lá. Inclusive o juramento, que não é segredo. O segredo são os votos.
O senhor apareceu em listas de papabili. Teve votos?
Não sei.
Prevost estava em sua cabeça antes da eleição?
Não. Mas eu já tinha claro em quem votar.
Como nascem as candidaturas?
Conversávamos sobre quem poderia ser Papa. E tem que ser assim, né? Não escutei ninguém dizer: "Poderia ser eu". Todo mundo quer se ver livre. Mas a troca de ideias vai acontecendo e amadurecendo.
Qual o legado de Francisco?
Ele foi o Papa da Misericórdia. No sentido de São Mateus: Eu estava nu, tu me vestiste. Estava com fome, me deste de comer. Estava preso, foste me visitar. Mais para o final, ele foi o Papa da paz.
E Leão XIV?
Pela primeira saudação, vai se empenhar pela paz. Ele é filho de imigrantes. As questões do meio ambiente, dos pobres e tudo mais, penso que ele vai (manter). Mas é claro que será do jeito dele.
Dom Leonardo Steiner / cardeal
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