As peculiaridades em roraima, de onde virá o novo presidente da cbf
‘O menor estadual’
‘O menor estadual’
Arena mais usada da Série A, o Maracanã chegou, ontem, ao seu 30º jogo na temporada. No mesmo dia, o Canarinho recebeu seu 43º confronto em 2025. Com capacidade para 4.500 pessoas, o estádio no extremo Norte do país foi o único palco do Campeonato Roraimense deste ano e é a casa de todos os clubes do estado " cujo futebol é gerenciado por Samir Xaud, candidato único na eleição da CBF, marcada para hoje.
A ascensão do médico de 41 anos na entidade nacional pegou o futebol brasileiro de surpresa. Afinal, Roraima sempre passou despercebida dos holofotes. Mas reúne uma série de curiosidades que vão muito além do Estadual realizado todo num único estádio.
O torneio é chamado carinhosamente pela própria federação de "menor estadual do Brasil". O termo tem significado literal. São só dez clubes filiados. Logo, não há segunda divisão.
O número de participantes varia ano a ano. Depende de quem consegue orçamento para bancar um time. Em 2016, só quatro disputaram. Em 2024, nove. Já a edição 2025, que marcou 30 anos da profissionalização do esporte no estado, contou com oito.
O futebol roraimense foi o último do país a abandonar a era amadora. O próprio estado também é recente: foi criado a partir da Constituição de 1988 (antes era um território federal).
Atualmente, três clubes podem ser considerados os principais: São Raimundo, Grêmio Atlético Sampaio (GAS) e Monte Roraima. Este último é o novato. Primeira SAF do estado, estreou em 2024 e, este ano, já chegou à final, o que lhe rendeu vaga à Copa do Brasil 2026. Com estrutura que se destaca da dos demais, é um dos dois a contar com CT próprio: a Toca do Tamanduá.
História na Copa Verde
O outro a contar com espaço próprio para treinamentos é o São Raimundo, um dos mais tradicionais do estado e maior campeão da era profissional (12 conquistas). Este ano, o clube fez história ao ser o primeiro de Roraima a chegar à semifinal da Copa Verde, eliminando Remo e Amazonas, ambos da Série B do Brasileiro.
Os demais treinam no próprio Canarinho, em campos públicos, na Vila Olímpica de Boa Vista e outros estádios menores que não recebem jogos da categoria adulta. É o caso do atual bicampeão e único representante do estado na Série D nacional, o GAS, o que mostra como, apesar da limitação, é possível ser competitivo.
" Antes de chegar lá, a visão que eu tinha era a mesma da maioria das pessoas que não conhecem a realidade do futebol de Roraima. Mas confesso que me surpreendeu muito positivamente " conta Emerson Almeida, ex-técnico do GAS que comandou o time na campanha do título deste ano: " A federação teve preocupação com a logística dos clubes, com a arbitragem, com as condições de gramado... Apesar do clima chuvoso e do campo receber muitas partidas (duas seguidas por rodada), tinha uma equipe que cuidava da grama para receber os jogos.
Os elencos são montados principalmente com jogadores que atuam em Roraima e nos estados vizinhos. Entre os treinadores não é diferente. Mas as duas últimas edições contaram com a presença do português Paulo Morgado, que vive no Brasil desde 2011 e trabalha em clubes do Norte e do Nordeste. Foi sob seu comando que, no ano passado, o GAS quebrou a série de oito títulos consecutivos do São Raimundo.
Deputada no uniforme
A campanha contou com uma história curiosa. Antes do jogo contra o Monte Roraima, pela fase de classificação, Morgado descobriu que os treinos do rival eram gravados e disponibilizados no Youtube. Sua equipe venceu por 2 a 1.
" Eles têm que ter mais responsabilidade nesse aspecto " afirmou o treinador, na época: " Nem todo mundo é burro. O português não é. Foi lá e viu.
As receitas que ajudam os clubes a pagarem as contas vêm da cota de transmissão, de repasse da federação e dos patrocinadores. O GAS chama a atenção neste aspecto. Tanto na parte de trás da camisa quanto nas redes sociais, a agremiação exibe o nome da deputada federal Helena Lima (MDB-RR).
A parlamentar e o marido são responsáveis pela virada de chave do GAS. O clube existe desde 1965, mas atravessou longo período de dificuldades. Tudo mudou com a chegada da dupla de patrocinadores, há dois anos.
As empresas Asatur, de transporte rodoviário; e Voare, de táxi aéreo, ambas de propriedade de sua família, patrocinam o GAS. Além disso, o clube também estampa "Helena Deputada Federal". A publicidade esbarra na legislação eleitoral e pode configurar abuso de poder econômico, o que é passível de investigação caso ela venha a se candidatar no próximo pleito.
" O patrocínio das empresas não têm problema. Porém, se utilizar dele para promover a figura do agente político não seria possível " explica Guilherme Barcelos, doutor em direito constitucional e sócio do Barcelos Alarcon Advogados: " Quando o nome da deputada se encontra estampado nas camisas do clube, evidencia-se um patrocínio baseado em sua imagem individual e posição política. Diferentemente de um patrocínio empresarial, onde uma empresa promove sua marca comercial ou de um projeto social institucional.
‘Madrinha das equipes’
O GAS não é o único. O Atlético Roraima, também patrocinado pela Asatur, disputou o Estadual com "Helena Deputada Federal" estampado na frente da camisa, o espaço mais nobre e de maior visibilidade.
Procurada pelo GLOBO, Helena Lima afirmou que o acordo de patrocínio se limita à exposição das marcas das empresas. Já a exibição de seu nome "deve-se ao fato de ela ser considerada madrinha das equipes, um título simbólico e de reconhecimento". Mas, nas redes sociais, tanto o GAS quanto o Atlético se referem a ela como patrocinadora. A deputada acrescentou que "não há indícios de uso desproporcional de recursos, tampouco se trata de captação indevida de votos".
A deputada é atuante no futebol estadual e ocupa a 2ª vice-presidência da comissão do esporte na Câmara. Em 2024, além do campeão GAS, a Asatur patrocinou o Campeonato Roraimense, o que rendeu a ela uma homenagem da federação.
" Ela está fazendo um trabalho sensacional pelo esporte roraimense. Não só o futebol profissional, mas todos os esportes. Eu, que acompanho, nunca vi uma parlamentar tão atuante " enalteceu Samir Xaud durante a cerimônia de premiação do Roraimense 2024.
Xaud já tentou ser deputado federal. Em 2022, recebeu 4.816 votos, o que fez dele o primeiro suplente do MDB-RR, mesmo partido de Helena. Além dela, a sigla elegeu Duda Ramos pelo estado na Câmara.
Var e árbitro Fifa
A atuação de Samir na federação ganhou tração em 2024. Filho do presidente Zeca Xaud, já octagenário, ele assumiu como gestor e tomou a frente na condução da entidade. Desde então, o campeonato passou a ser exibido tanto na TV quanto no Youtube, as partidas contaram com sorteios (que vão de ferro de passar à motocicleta) para atrair o público e o VAR foi implementado nos jogos decisivos, com árbitros Fifa. A final deste ano teve Raphael Claus no apito.
A federação, embora continue com finanças limitadas, se tornou menos dependente da CBF. Em 2022, da receita total de R$ 1,8 milhão, 98,8% vieram da entidade. Já dos R$ 2,4 milhões em arrecadação no ano passado, 57% saíram dos cofres da confederação. Os dados constam em balanços oficiais.
Em janeiro, há dois anos do fim do mandato do pai, Samir foi eleito para assumir a presidência da federação roraimense a partir de 2027, o que não deve mais ocorrer com sua chegada à CBF. Apenas um dos dez clubes se absteve na eleição: o Monte Roraima.