Brasileiros correm contra o tempo para seguir em portugal
Primeiro, o susto com o recebimento da notificação para autodeportação voluntária de ...
Primeiro, o susto com o recebimento da notificação para autodeportação voluntária de Portugal em 20 dias. Agora, milhares de brasileiros com aviso do governo para deixar o país, sob pena de expulsão, vivem um drama enquanto tentam continuar em seus trabalhos, manter unidas as suas famílias e evitar o retorno ao Brasil. O governo de centro-direita da Aliança Democrática (AD) apertou as regras de imigração desde a tomada de posse, há um ano. Em junho de 2024, extinguiu a manifestação de interesse, medida popular de regularização, e criou uma força-tarefa para analisar processos pendentes.
Os primeiros resultados do maior controle na imigração foram divulgados em maio, às vésperas de uma nova eleição que reelegeu a AD. O anúncio foi criticado pela oposição, que acusou o governo de fazer propaganda e se aproximar da campanha anti-imigração da ultradireita do Chega, agora o segundo maior partido do país em número de deputados.
segunda nacionalidade
Nos números preliminares recolhidos ao longo de 2024 e anunciados antes da eleição, cerca de 18 mil imigrantes com processos de autorização de residência rejeitados seriam notificados para deixar Portugal. O número de brasileiros era desconhecido. Há quase quatro semanas, porém, o governo divulgou um balanço oficial com um total de 33 mil notificações, sendo 5,3 mil de brasileiros, a segunda nacionalidade do ranking. No último sábado, eram 40 mil imigrantes notificados, sem atualização de brasileiros.
O motoboy Diego, que pediu para ser identificado apenas pelo primeiro nome, é um dos brasileiros notificados para deixar o país. Ele contou que recebeu o aviso por e-mail, mas contratou uma advogada para apresentar um recurso de tentativa de permanência em Portugal, onde disse que vive a sua família.
" Minha família quase toda está em Portugal com autorização de residência: dois irmãos, mãe e padrasto. Meu pai, minha avó e mais parentes moram na Suíça. Não tenho ninguém no Brasil. Não tenho nada lá e nem para onde ir, porque minha vida, meu trabalho, estão aqui " disse Diego que, mesmo com a apresentação do recurso, considera que é muito difícil ficar em Portugal. " Está muito complicado. O recurso pode estender o tempo enquanto é analisado, porque tenho família aqui, mas não deverá mudar a minha vida. Ficar três meses e fazer o que depois? Só vai adiar o que já está decidido pelo governo. Mas fico até a última ordem.
Antes de virar motoboy em Portugal, Diego trabalhava como mecânico. Imigrou em 2023 para ficar perto da família, segundo ele. Apresentou há dois anos a manifestação de interesse, que ainda era válida, e o resultado deveria ser conhecido em 90 dias. Mas só conseguiu uma data na agência de imigração (Aima) em outubro de 2024. Dois meses antes da entrevista, viajou à Suíça e foi parado por policiais, o que gerou uma medida cautelar que travou a autorização de residência.
" Fui à Suíça visitar a minha avó de 78 anos. Tinha apresentado todos os documentos à Aima, estava com a entrevista marcada, então o processo andava, apesar de dois anos à espera. Nunca me disseram que não poderia viajar. Mas a notificação para abandono diz que não poderia ter ido. Mostrei para os policiais suíços todos os documentos, disseram que eram só papéis. Voltei para Portugal e segui trabalhando normalmente 10 horas por dia, sete dias por semana. Fui à entrevista e nada disseram, até chegar a notificação.
Assim como Diego teme ficar longe da família, um casal de brasileiros poderá ter que se separar, com um agravante: eles têm um filho pequeno. Pediram anonimato, mas o advogado Diego Bove, especialista em imigração, contou que ela, sem autorização de residência, recebeu a notificação para abandono voluntário, enquanto o marido está regular porque trabalha.
" Eles têm medo, o que é normal, porque a vida está estabelecida em Portugal. São pessoas que ganham pouco, e ser mandado embora neste momento pode pesar na balança da vida " contou Bove.
O problema de moradia em Portugal, com os centros de Lisboa e Porto sem imóveis acessíveis, influenciou diretamente no processo do casal. Sem condições de pagar o preço inflacionado do aluguel, tiveram que se mudar para uma região mais afastada.
" Ele se estabeleceu rapidamente em Portugal e, mesmo ganhando pouco, conseguiu a autorização de residência. Mas o preço do aluguel fez com que fossem morar mais longe do trabalho, e ela acabou tendo que ficar em casa para cuidar da criança " disse.
reagrupamento familiar
Sem conseguir comprovar renda própria, ela respondeu duas vezes à Aima e enviou o rendimento do marido. Mas o valor, segundo Bove, era inferior ao limite mínimo exigido para o reagrupamento familiar, outra medida de regularização vigente.
" A Aima não volta mais atrás, porque exauriu o processo. Somente nos resta recorrer ao Tribunal Administrativo ou tentar outra possibilidade de regularização. Depois das defesas prévias, ela recebeu a rejeição e a notificação (de abandono) " explicou Bove, que diz ter centenas de processos do tipo.
O advogado explicou, ainda, que a criança não tem idade para tentar regularização por meio da reagrupamento familiar com a autorização de residência do pai. Esgotadas as possibilidades na Aima dentro deste processo, o casal vive o dilema da separação, caso seja vetada outra chance de regularização.
" Se a mãe vai embora e o pai fica, o casal vai decidir com quem a criança permanecerá.
Esgotados todos os recursos de resposta ao abandono voluntário, a expulsão é o último ato administrativo da medida de afastamento. Em 2022 e 2023, anos com dados mais recentes disponíveis, as expulsões de brasileiros não chegaram a uma centena, com 87 e 99 casos, respectivamente.
Ainda assim, Timóteo Macedo, presidente da maior associação de apoio, a Solidariedade Imigrante (Solim), acusou o governo da AD de promover o pânico com ameaças de expulsão e de ter transformado Portugal numa "prisão a céu aberto".
clima de apreensão
O clima de apreensão nas ruas é relatado por brasileiros à espera da conclusão do pedido de autorização de residência. Eles temem que sejam parados por policiais, que podem emitir uma notificação de abandono, como aconteceu em janeiro com o músico Ivo Silva de Souza.
O caso foi o primeiro a vir a público desde que o governo decidiu apertar as regras de imigração. Ivo foi agredido no Bairro Alto, em Lisboa. Na delegacia, recebeu o aviso de abandono, confirmado pela Polícia de Segurança Pública.
Ivo estava em situação irregular porque, segundo ele, não conseguia atendimento para pedir autorização de residência na Aima e contrataria um advogado para obter na Justiça uma data, medida que tem sido comum, quando recebeu a notificação. O caso ganhou notoriedade, o músico recorreu e conseguiu ser atendido na agência. Agora espera o cartão de residência.
" Eu recorri e me chamaram para a entrevista. Ou seja: permitiram que eu me regularizasse. A gente tem que continuar dando força para quem precisa. Com a repercussão, eles (governo) abriram para pessoas que estavam na minha situação, e eram muitas, terem uma oportunidade " disse Ivo, que se prepara para lançar em julho um projeto musical em Lisboa.