‘A organização não está numa bolha imune às mudanças de comportamento’
Entrevista
Entrevista
Com a inteligência artificial (IA) ganhando espaço nas decisões corporativas, empresas precisam rever suas estruturas de governança e compliance para lidar com riscos emergentes e aproveitar oportunidades. A avaliação é de Danilo Gregório, gerente de Conhecimento e Relações Institucionais do IBGC.
Nessas duas áreas, ele diz que as empresas, mais do que adequarem seus processos, precisam apresentar coerência entre o que dizem fazer e o que realmente fazem. "Um consumidor que procura produtos com selo verde precisa saber que aquele produto é realmente sustentável, que não se trata de uma ‘maquiagem’", frisa ele, destacando que a governança e o compliance atuam para que essa promessa do produto se cumpra.
Essa busca constante por integridade, aliada à transparência, à equidade e à sustentabilidade, deve guiar as organizações em um cenário em que mudanças sociais e inovações aceleradas desafiam modelos tradicionais.
" A organização não está numa bolha imune às mudanças de comportamento, então é importante monitorar a sociedade porque o melhor interesse da empresa sempre vai depender do meio ambiente das pessoas. Não tem como se descolar disso.
O que são "compliance" e governança?
São temas que caminham juntos. Para o IBGC, a governança é um sistema que envolve regras, estruturas e processos para que se conduza e monitore uma organização. Para tomar boas decisões e garantir que sejam seguidas, as empresas precisam de uma série de diretrizes. A integridade é o primeiro princípio da governança e busca coerência entre o que a empresa diz que faz e o que realmente faz. A integridade deve ser acompanhada da transparência, que é informar não só o obrigatório, mas tudo que ajude as pessoas a tomarem decisões.
Há também o princípio da responsabilização, de cada um buscar desempenhar suas funções com cuidado e independência; da equidade, que é tratar as partes interessadas de maneira justa; e a sustentabilidade, traduzindo o que se espera de um bom sistema de governança, gerar valor de forma sustentável no curto, médio e longo prazos.
Mudanças na sociedade impactam o que a gente entende por "compliance"?
A integridade, por exemplo, recentemente deixou de ser vista como apenas comportamento honesto ou não corrupto. Hoje, inclui questões de direitos humanos, diversidade, equidade, inclusão e sustentabilidade. É uma dimensão um pouco maior. Pode ser que algumas pessoas cumpram apenas o que diz a lei, mas não deveria ser apenas isso. O compliance ou integridade também dependem desse trabalho contínuo de educação.
Ao mesmo tempo, a organização não está numa bolha imune às mudanças de comportamento, então é importante monitorar a sociedade, porque o melhor interesse da empresa sempre vai depender do meio ambiente das pessoas. Não tem como se descolar disso.
A governança é uma jornada. A empresa quer gerar valor no longo prazo, melhorar a confiabilidade da organização, ter mais transparência e sustentabilidade, mas o caminho até esses objetivos varia para cada momento e cada organização. Eu preciso sempre avaliar minha governança para responder a essas transformações da sociedade. Por mais que a gente tenha boas práticas hoje, talvez a gente precise de outras mais à frente.
E qual o impacto da IA nisso?
A inteligência artificial não aparecia no mapeamento de riscos de uma organização há pouco tempo. Era um risco ainda não gerenciado. Assim que ganhou importância, esse tema passou a aparecer no mapeamento de riscos e nos programas de compliance.
Temos visto muito interesse dos conselhos de administração e líderes em IA. Há pessoas debatendo e querendo entender os impactos dessa tecnologia. Ao menos como um ponto de gerenciamento, a IA já está aparecendo como um fator de risco de reputação, fraude e até mesmo para a diversidade, por conta de seu uso em recrutamentos, o que pode, por causa do viés do algoritmo, deixar pessoas de fora. Ainda não temos clareza sobre como as estruturas de governança mudam com a emergência de um tema.
No entanto, para além dos riscos, a IA traz oportunidades de inovação, transformação e eficiência produtiva, nas vendas e nos processos decisórios.
E qual a importância da governança para empresas e consumidores?
Para a empresa, uma boa governança gera valor, pode melhorar o processo decisório e o seu desempenho, o que consequentemente impacta a reputação. Uma empresa que é transparente, íntegra e sustentável tem mais chances de atrair consumidores, porque os consumidores vão confiar mais naquela marca e se engajar mais ativamente nas campanhas que a organização procura fazer.
O consumidor geralmente tem suas marcas preferidas porque guarda algum sentimento, um relacionamento com uma marca. Geralmente isso se deve aos benefícios que ele imagina que aquela marca ou aquele produto vai ter. Se ele confiar numa marca, a decisão é muito mais rápida. Isso se constrói ao longo do tempo. A marca não nasce de um dia para o outro. Para construir isso, preciso de planejamento, boa execução e monitoramento dessa execução. Sem monitoramento eu não consigo corrigir rotas.
Um consumidor que procura produtos com selo verde precisa saber que aquele produto é realmente sustentável, que não se trata de uma "maquiagem". Aquele cuidado que é vendido, que é prometido, existe? A governança e o compliance atuam para que sim.
Danilo Gregório / gerente de Conhecimento
e Relações Institucionais do IBGC