A torcida de ninguém
Rodrigo Capelo
Rodrigo Capelo
Para qual time você torce? A pergunta faz parte de muitas interações sociais no Brasil, junto dos comentários sobre calor e frio, o que você faz da vida, de onde vem e para onde vai. Note aí a importância do futebol em nossa cultura. Torcer para um time é tão simbólico que identifica as pessoas. Eu sou Vasco, mas não sou do Rio. A conversa começa aí, gera curiosidade e acaba noutro lugar. O futebol é a ponte. Daí a relevância que dou, quando surge pesquisa de opinião nova, como a publicada ao longo desta semana pelo GLOBO, para a resposta "nenhum". Para qual time você torce? Nenhum. Nesta edição do levantamento O Globo/Ipsos-Ipec, 32,1% responderam assim, enquanto outro 1,6% não soube ou não quis responder. Um terço da população não faz parte do rito que acabei de descrever. A conversa esgota ali.
Essa é a pessoa que não tem a menor relação sentimental com o futebol. E, graças à estratificação da pesquisa, podemos conhecer o perfil dela. Em sua maioria, são mulheres de meia idade, com um salário-mínimo de renda, portanto pobres, residentes do interior do país. Elas sabem da existência do futebol, mas não criaram vínculo. Aliás, faz bem sinalizar que esse percentual varia muito de pesquisa para pesquisa. Nesta edição, o "nenhum" alcançou 32,1% dos entrevistados. O número é maior do que o levantamento anterior, de 2022, que com a mesma metodologia encontrou 24,4%. Essas pessoas morreram de mal súbito em um intervalo de três anos? Lógico que não. Algo durante as desmotivou a dizer o nome do time. Elas desengajaram.
Empresas gastam tempo e dinheiro para descobrir quem são seus consumidores, mas às vezes o pulo do gato está em saber quem não consome, e por quê. O futebol deveria fazer o mesmo. Até porque aqui não se trata só de consumo no sentido financeiro, mas cultural. Se as mulheres foram afastadas desse esporte por serem convencidas ao longo de décadas de que não era lugar para elas, está errado. E isso é ruim para todos. Esta é uma das maiores utilidades da pesquisa de opinião no futebol. Mais importante do que medir tamanho de torcida, um clube contra o outro, é colocar os torcedores em um funil de aproximação com a modalidade e saber como estão as coisas. Um terço do povo não tem relação nenhuma. A história começa por aí. Outro aspecto relevante está na distinção entre dizer que torce para alguém e torcer fanaticamente, no engajamento.
Qual a intensidade do seu fanatismo pelo time, de zero a dez? 27% dos entrevistados deram notas entre zero e quatro. Ou seja, um quarto da população torcedora assume que não é lá muito fanático por futebol. Estamos falando provavelmente do sujeito que responde o nome de um time lá na primeira pergunta, mas não sabe o nome do goleiro, não acompanha a tabela do campeonato, não vê o time em campo faz meses, ou anos. E mesmo se considerarmos que 33% deram notas nove ou dez para esse fanatismo " dizendo-se, portanto, muito fanáticos pelos vossos clubes ", ainda devemos considerar um possível autoengano. Só 18,4% alegam ficar de mau humor após uma derrota. Apenas 6,7% deixam de fazer coisas no dia a dia por causa de uma partida.
A beleza da pesquisa está no mapeamento da paixão nacional " nem tão nacional e nem tão apaixonada. Parte considerável da população não criou vínculo emocional com o futebol, ou não se considera fanática, ou acha que é, mas não tem hábitos de quem é fanático. A gente só sabe disso com precisão quando pesquisa.