Martes, 26 de Agosto de 2025

Guerra em gaza e controle de informação militar desafiam jornalismo em israel

BrasilO Globo, Brasil 25 de agosto de 2025

COBERTURA em xeque

COBERTURA em xeque
A morte de uma equipe da rede catari al-Jazeera na Faixa de Gaza após um bombardeio israelense, há duas semanas, reacendeu o debate sobre o trabalho jornalístico no conflito. Jamais tantos profissionais da imprensa morreram em uma guerra. Ao mesmo tempo, em Israel, redações debatem até que ponto a catástrofe humanitária em Gaza, onde a ONU declarou estado de fome na sexta-feira, merece espaço no noticiário, enquanto lidam com uma censura militar que avalia todo material relacionado a questões de segurança nacional.
Desde os ataques do grupo terrorista Hamas, que deixaram quase 1,2 mil mortos em Israel há quase dois anos, e do início da operação militar no enclave, onde morreram mais de 62 mil pessoas, jornalistas estrangeiros não podem entrar por conta própria em Gaza. O governo israelense afirma ser incapaz de garantir a integridade física dos profissionais, mas o veto é, como destacou a ONU, "sem precedentes na História moderna".
Segundo números do Comitê de Proteção aos Jornalistas, 192 profissionais da imprensa morreram em Gaza desde outubro de 2023. A organização afirma que 24 foram deliberadamente alvejados pelas forças de Israel, e outros 20 casos estão sendo investigados.
" A única razão que os faz negar acesso a jornalistas estrangeiros é a mesma pela qual estão matando jornalistas palestinos: silenciar a verdade " afirmou ao GLOBO Martin Roux, chefe do Escritório de Crise da ONG Repórteres Sem Fronteiras.
vozes restritas
Hoje, as fontes de informação de Gaza são as agências humanitárias, as Nações Unidas, as autoridades de Israel e a imprensa palestina " frequentemente associada ao Hamas, mesmo sem provas em muitos casos. A rede catari al-Jazeera, uma das poucas a ter presença no enclave, foi banida de Israel e da Cisjordânia ocupada, e muitas vezes é classificada como "porta-voz" do Hamas por Israel. Um outro caminho possível são os convites a jornalistas para acompanhar missões militares, mas seguindo um rígido protocolo.
" O porta-voz militar decide quem entra, por quanto tempo, por qual motivo, quem pode ser entrevistado, o que será visto. É necessário assinar um termo de responsabilidade com a autoridade, que depois verá as gravações feitas [em Gaza] e decidirá o que será ou não liberado " disse ao GLOBO Anat Saragusti, chefe do Departamento de Liberdade de Imprensa no Sindicato dos Jornalistas de Israel.
Para ela, a ausência de jornalistas "neutros" em Gaza é "realmente assustadora", pois o que resta em campo são profissionais em sua maioria jovens, que fazem um "trabalho fantástico e arriscam suas vidas", mas sob o risco de terem sua cobertura controlada pelo Hamas. Desta forma, com o bloqueio à cobertura da mídia estrangeira, restringe-se a possibilidade de apuração precisa do que ocorre no enclave.
" É um dilema: por um lado, Israel não deixa ninguém entrar. Por outro, por exemplo, diz que não há fome, que não há inanição, que não há nada, mas impede que alguém descubra, por conta própria, se há fome, se há uma crise " aponta Saragusti.
Cobrado por veículos ocidentais e organizações como a RSF para que permita a entrada da imprensa em Gaza, o premier Benjamin Netanyahu disse recentemente que aumentará o número de vagas para repórteres em operações militares.
" Em certos contextos, jornalistas precisam ser incorporados a grupos armados ou Exércitos. Mas quero lembrar que o Exército israelense não é qualquer um: ele é um Exército de ocupação " diz Roux, citando cinco queixas da RSF contra Israel no Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra. " Não é o acesso independente que pedimos.
censor militar
Desde a fundação do Estado de Israel, em 1947, a imprensa local se submete a dois modelos de controle de informação: o primeiro, afirma Saragusti, é interno, por fatores políticos, econômicos e pessoais. O segundo é a censura militar.
Levantamento da revista +972, que, ao lado do jornal Haaretz é um dos poucos veículos locais a falar abertamente sobre a guerra, em 2024 o censor militar barrou 1.635 artigos e modificou outros 6.255 no país. Mesmo discutindo e criticando o conflito, a +972 e o Haaretz são legalmente obrigados a submeter seus textos para aprovação. Alterações e vetos não podem ser identificados aos leitores.
Em junho, jornalistas locais e estrangeiros foram proibidos de relatar os estragos causados pelos mísseis iranianos durante a guerra de 12 dias entre os dois países e chegaram a ser agredidos por civis autointitulados "fiscais da imprensa", que alegavam estar ajudando na aplicação da lei.
Na maior parte da imprensa israelense, o foco editorial é centrado na questão dos 251 reféns em Gaza, levados pelo Hamas durante os ataques de 7 outubro de 2023, na operação militar contra o grupo e nos impactos enfrentados pelos sobreviventes dos atos de terrorismo e pelas famílias dos que ainda estão no cativeiro. Já as imagens de sofrimento de civis, de fome e de morte em Gaza são deixadas em segundo plano ou recebem menos espaço do que políticos e comentaristas defendendo a anexação dos Territórios Palestinos.
A cobertura reflete a percepção da população. No começo do mês, pesquisa do Instituto da Democracia de Israel mostrou que a maioria dos judeus israelenses (70%) acredita nas informações das Forças Armadas, concorda que o país está fazendo o suficiente para evitar o sofrimento dos civis em Gaza (78%) e não se sente afetada pela situação no enclave (79%) " entre a população árabe, minoritária, as opiniões foram exatamente opostas.
" A maioria dos israelenses ainda está presa ao trauma de 7 de outubro. Estão sobrecarregados com a própria dor e não têm espaço ou não conseguem ter empatia pelos palestinos. Alguns israelenses não se importam. Outros, que não há inocentes em Gaza " diz Saragusti.
sinais de mudança
Em julho, o portal Ynet publicou conversa vazada em um grupo de WhatsApp de editores do Canal 12, o principal do país, na qual discutiam a cobertura da guerra. Alguns defenderam priorizar as histórias dos reféns e dos sobreviventes, enquanto outros disseram que seu "dever jornalístico é relatar tudo o que é importante e digno de ser relatado". Ao fim da conversa, um comentarista árabe sugeriu que telefonassem para sua prima, que vive em Gaza, e "acorda todas as manhãs buscando um saco de farinha". Na semana passada, a ONU declarou estado de fome na Cidade de Gaza.
Recentemente, a organização pacifista Standing Together lançou uma campanha para pressionar a imprensa a "quebrar o silêncio" sobre a guerra. A iniciativa é agressiva: voluntários enviam centenas de mensagens a jornalistas pedindo mais atenção ao desastre humanitário no enclave, e ativistas protestam diante de jornais e emissoras. Para os organizadores, há sinais de mudança: em julho, o Canal 12 exibiu uma longa reportagem sobre a fome em Gaza com um de seus repórteres mais experientes, sem poupar adjetivos ou imagens.
1.635
artigos vetados pela censura militar de Israel em 2024
Segundo levantamento da revista +972, outros 6.255 textos foram parcialmente alterados
70%
dos judeus israelenses confiam na palavra do Exército
Pesquisa do Instituto da Democracia de Israel registrou a desconfiança de 63% dos árabes
192
jornalistas mortos em Gaza desde outubro de 2023
Número, compilado pelo Comitê para a Proteção de Jornalistas, é o maior registrado em um conflito
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