Vencedor do ‘fight do milhão’ vive drama com irmão desaparecido
O paulista Marcelo Medeiros chegou ao ápice de sua carreira esportiva no último dia 25 de outubro. ...
O paulista Marcelo Medeiros chegou ao ápice de sua carreira esportiva no último dia 25 de outubro. Aos 39 anos, venceu o "Fight do Milhão", torneio de MMA /reality show promovido por Jungle Fight e TV Globo, e faturou um prêmio de R$ 500 mil. O título veio em revanche contra o manauara Arcângelo Anjo. As conquistas esportiva e financeira, porém, não puderam ser comemoradas com a alegria que a ocasião merecia devido a um drama pessoal que impediu que um de seus principais apoiadores na carreira e na vida, o irmão mais velho, Roberto Medeiros, de 34 anos, estivesse ao seu lado: ele está desaparecido desde agosto.
A situação remete ao caso do ex-lutador Vitor Belfort, que também foi campeão " dos meio-pesados do UFC " em meio ao desaparecimento da irmã, Priscila Belfort, em 9 de janeiro de 2004, cujo paradeiro é desconhecido até hoje.
Após a luta, no Ginásio do Ibirapuera, Marcelo interrompeu os gritos de comemoração da torcida e de sua equipe de apoio e pediu um minuto de silêncio pelo irmão que "não está comigo (fisicamente), mas estava comigo (espiritualmente)", contou à reportagem. Roberto era parceiro de treino de jiu-jítsu e ajudava Marcelo nas técnicas de imobilização, quando não estava dando aulas para crianças no CT Brothers Fight, em Jandira (SP).
" Nós éramos muito unidos. Ele passava aqui em casa todo dia, dava aula para minha filha, tomava um café... A gente "secava a garrafa" e ia ao treino juntos " diz o lutador. E continua: " Ele sempre assistia às lutas dos meus rivais para me dar algumas dicas, toques sobre o adversário e de coisas que poderiam ocorrer durante o combate.
polícia investiga
O caso está sendo investigado como desaparecimento pelo Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa (SHPP) da Seccional de Carapicuíba (SP), que informou à reportagem estar realizando "diligências em busca de elementos que auxiliem no devido esclarecimento dos fatos" e que "demais detalhes serão preservados para garantir autonomia ao trabalho policial".
Medeiros recebeu a informação de que o irmão estava sumido no dia 17 de agosto, véspera da semifinal do torneio, quando lutou com Carlos Mistuca. Abalado emocionalmente, temia não ter condições de lutar, mas acabou vencendo em menos de um minuto, de forma inusitada. Na primeira interação entre os atletas, Mistuca resvalou um dedo nos olhos de Marcelo " o que é ilegal. Medeiros não conseguiu voltar à luta, e o árbitro desclassificou o adversário.
" Não sei como é que aquela luta iria seguir. Acabou acontecendo aquele acidente, e terminou com a desclassificação dele. Mas foi muito difícil para mim, porque eu fiquei sabendo depois da pesagem. Estava em recuperação de peso, não conseguia comer. À noite eu não conseguia dormir. Chorei muito a noite toda " admitiu o lutador.
Aflição antes de final
A final ainda demandava uma atenção maior, já que o adversário, Arcângelo Anjo, era o único rival que o havia vencido em dez lutas (nove vitórias e uma derrota) " em abril de 2024 " e chegava como favorito. Marcelo, conhecido pelo poder de nocaute e pela agressividade na trocação de golpes, precisou lidar de modo reflexivo durante a preparação em razão do drama pessoal. Sabendo da mudança de vida que a vitória poderia proporcionar à sua família, ele não cogitou, em momento algum, desistir do evento. Continuou treinando, mesmo sem ter confirmação do paradeiro do irmão " apenas incertezas.
" Consegui pôr a cabeça no lugar, mas eu demorei para poder estar ali (focado na luta). Ainda está todo mundo muito abalado com o que aconteceu. A gente ainda está sem as respostas. Meu irmão ainda não apareceu. Já tem algumas pistas do que aconteceu, mas ele não está aqui. Não conseguimos achar nada, nem vivo nem morto. Então, estamos esperando a polícia, os investigadores, conseguirem dar um desfecho para o ocorrido. E, infelizmente, carregamos essa tristeza " lamenta.
Ainda assim, ele conseguiu superar a tempestade que ocorria fora do octógono, em sua vida pessoal, para entrar na jaula gradeada focado na vitória. Embora tenha perdido o primeiro round, ao ser derrubado e controlado no chão, voltou no assalto seguinte aplicando um golpe forte de canhota e levando o adversário destro ao chão.
Mesmo que não tenha sido nocauteado, Arcângelo, abalado pelo soco, teve de se defender nos dois rounds seguintes. No quarto assalto, o manauara ainda tentou algumas quedas que o ajudaram no início, mas, já avariado pelos golpes de Marcelo, não conseguiu sustentar a disputa de força. No último round, o paulista já tinha certeza da vitória antes de o gongo soar, entendendo que, embora não tivesse nocauteado, havia mostrado o suficiente para vencer pela decisão dos juízes laterais.
Apoio à família do rival
Apesar da rivalidade, o clima entre os lutadores foi amistoso após o resultado final. Tanto que Marcelo aproveitou o momento não apenas para elogiar o adversário, mas também para doar uma parte da premiação " R$ 50 mil " a Arcângelo, a fim de ajudá-lo na reforma da casa da mãe.
Agora campeão do maior evento nacional de MMA, Marcelo vivia com o salário de outra profissão: é metalúrgico. Na época da semifinal, o paulista se desvinculou da empresa em que trabalhava por não querer se mudar para o Paraná. Segue sendo patrocinado no esporte pelos antigos patrões, mas viveu os últimos meses antes da final também com parte das economias que havia guardado durante o tempo em que exerceu a profissão.
À espera do resultado da investigação policial para poder seguir em frente, o lutador ao menos realizou um sonho importante em sua vida, com a ajuda do irmão durante a trajetória, a liberdade financeira.
" Ainda sou jovem, vou fazer 40 anos. Não dá para ficar apoiado no pouco que conquistei até agora. Por mais que achem que seja muito (os R$ 500 mil), pretendo continuar trabalhando. Só não sei com o quê ainda. Estou tentando enxergar onde começar a investir. Lutei a minha vida toda, no dia a dia, no trabalho, pela minha liberdade de escolha. Já tive momentos em que precisei trabalhar por qualquer valor, em qualquer horário, por necessidade. Hoje tenho a escolha de trabalhar, de buscar algo diferente. Escolhas sem pôr minha família em dificuldades.