‘Temos como empurrar a expectativa de vida’
Entrevista
Entrevista
O envelhecimento populacional acelerado por menores taxas de natalidade leva alguns países, sobretudo os mais desenvolvidos, a uma crise demográfica com impactos econômicos. Para Jerry McLaughlin, CEO da Life Biosciences, há uma necessidade social e econômica não só de aumentar a longevidade, mas torná-la mais saudável, para que as pessoas possam envelhecer trabalhando " e consumindo.
Em entrevista ao GLOBO no Gitex, evento de tecnologia realizado no mês passado em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, o executivo diz que é nesse contexto que se insere o negócio da empresa de biotecnologia americana que dirige. A Life Biosciences desenvolve uma tecnologia de "reprogramação epigenética parcial", que "reseta" parte do epigenoma (conjunto de marcadores ou de instruções que controla os genes) para deixar células mais saudáveis. A ideia é desacelerar o envelhecimento e até compensar anos de hábitos ruins para adiar o surgimento de doenças crônicas. A pesquisa aguarda aprovação da FDA, a agência reguladora de vigilância sanitária dos EUA, para iniciar testes em humanos antes de levar um produto ao mercado, mas McLaughlin está certo de que esse tipo de inovação da biotecnologia contribuirá para desmistificar a ideia de que o envelhecimento é custo social. Para ele, é oportunidade.
A Life diz que pode redefinir o envelhecimento. Como?
O envelhecimento é um processo biológico. Há mudanças no corpo que fazem nossas células ficarem biologicamente mais velhas e suscetíveis a doenças. Desenvolvemos tecnologias capazes de reprogramar células envelhecidas e lesionadas para restaurá-las a um estado mais jovem e funcional. Depois disso, miramos nas doenças relacionadas à idade para melhorar a vida das pessoas.
O que é a plataforma de ‘reprogramação epigenética parcial’ que ela desenvolve?
Existe o genoma, que é o mesmo em todas as células. Depois, há o epigenoma, que programa quais genes do DNA são expressos, em qual momento e em qual célula. À medida que envelhecemos, acumulamos essas, e vou simplificar bastante, "marcas" no nosso epigenoma, chamadas marcas de metilação. Chega num ponto em que as marcas passam a causar uma disfunção, ou seja, ocorre uma expressão incorreta dos genes em determinada célula, o que as torna suscetíveis a doenças. O que a nossa tecnologia faz é restaurar essas células às configurações "de fábrica". Na prática, nossa tecnologia induz a célula a eliminar essas marcas.
É uma tecnologia de saúde preventiva, então?
Correto. É preventiva e de reversão, porque começaremos tratando pessoas que já foram afetadas, mas, sim, terá capacidade de prevenir também.
Como mudanças ambientais impactam a saúde humana?
Pesticidas, poluição do ar… Tudo isso estressa nosso corpo e pode induzir mudanças epigenéticas. Um exemplo é a viagem espacial, que tem um impacto enorme na epigenética de astronautas. Muitos fatores ambientais nos afetam, assim como escolhas de estilo de vida, como consumir muitas calorias e álcool, além de tabagismo e qualidade do sono.
A tecnologia da Life poderia compensar hábitos ruins?
Sim. Mas, para que a tecnologia seja o mais eficaz possível, precisa estar em combinação com um estilo de vida saudável. Quando é tarde demais? Nunca. No entanto, quanto mais cedo você fizer essas mudanças de estilo de vida, obviamente melhor será o impacto. Nossos estudos ou indicações iniciais serão em neuropatias ópticas, como o glaucoma, principal causa de cegueira em pessoas com mais de 60 anos. Há 3 milhões de cegos por glaucoma. Os tratamentos, sejam medicamentos ou cirurgias, focam na pressão intraocular há 150 anos, acreditando que poderíamos curar ou parar a evolução da doença. Com o tempo, essa pressão causa uma cascata de eventos que leva a danos nas células ganglionares da retina. Depois, essas células morrem e ocorre a perda de visão. Nós miramos na fonte do dano. Empregamos nosso produto nessas células, induzindo-as a realizar mudanças de volta às configurações iniciais.
Quanto custa um tratamento?
É de aplicação única. O preço ainda será determinado.
Quais são os primeiros resultados dos testes?
Conseguimos melhorar a visão em camundongos envelhecidos. O grande passo foi traduzir isso para espécies de nível mais elevado, primatas não humanos, nesse caso. Induzimos um tipo de neuropatia óptica indolor que afeta 30 mil pessoas nos EUA. Você acorda de manhã e não consegue enxergar com um olho. Não há tratamento. Quando aplicamos nossa terapia, houve restauração significativa em questão de semanas.
Quando começam os testes em humanos?
Já concluímos os estudos de apoio para garantir que seja o mais seguro possível. Vamos enviar esse material à FDA neste fim de 2025. E esperamos iniciar os testes clínicos de fase 1 em humanos no primeiro trimestre de 2026. Esperamos resultados iniciais até o fim de 2026.
Como a inteligência artificial (IA) ajuda?
O primeiro impacto é nos ensaios clínicos: eficiência, qualidade, custo. E permite avançar mais rápido na descoberta de fármacos. Os modelos permitem testar mais coisas de forma rápida, chegando à resposta antes. Do ponto de vista empresarial, é melhorar a qualidade dos ensaios clínicos, encurtar o tempo dos testes.
O que significa envelhecimento saudável hoje?
Para mim, significa que tenho 57 anos, e gosto de pensar que estou apenas na metade do caminho. E acredito que estamos entrando em um momento no mundo em que a população está envelhecendo, com falta de reposição populacional em muitos lugares. Isso dá uma importância, tanto social quanto econômica, à capacidade de estender nossa expectativa de vida saudável. Precisamos continuar contribuindo para a sociedade. Do ponto de vista econômico, teremos uma base tributária menor. O mundo precisa que nossos corpos continuem funcionando e contribuindo para a sociedade. Existe um equívoco de que isso vai custar, relacionado a aposentadorias e cuidados médicos. Na prática, quando temos uma população idosa mais saudável, ela tende a trabalhar por mais tempo, consumir mais e utilizar menos recursos de saúde, atualmente o maior problema.
Estamos próximos de ter tecnologias capazes de estender significativamente a expectativa de vida humana?
A prioridade agora é estender a expectativa de vida saudável. Se conseguirmos, sem dúvida estaremos estendendo a vida total. Quando você olha para terapias, mudanças de estilo de vida, monitoramento, acho que temos a capacidade de empurrar os limites do que a expectativa de vida pode ser.
*A repórter viajou a convite do MC Group
Jerry McLaughlin/CEO da Life Biosciences