A nova matriz envergonhada
gustavo franco
gustavo franco
Não é convincente o compromisso do governo com o equilíbrio fiscal.
Não parece muito certo que o chamado "arcabouço" estabeleça um "regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do País", como era o mandamento do artigo 6º da Emenda Constitucional 126/2022 (conhecida como PEC da Transição) que lhe deu origem.
O "arcabouço" transformou o "Teto de Gastos" numa meta indicativa meio nebulosa e viciada por truques contábeis. Com esse regime o governo pode pisar no acelerador dos estímulos fiscais e ainda construir uma fábula pela qual o déficit praticamente não existe. No fundo, é uma espécie de retorno da Nova Matriza Macroeconômica, de triste memória, só que temperada por certo sentimento de culpa.
A narrativa pode ser importante para o Presidente da República " que já firmou a tese pela qual os livros de economia (e presumivelmente também os economistas) estão superados ", mas é totalmente irrelevante para a dívida pública, que está chegando em 80% do PIB, um número assustador.
Para demonstrar a gravidade do problema vamos usar uns conceitos normalmente aplicados para as empresas.
A pergunta mais comum, para se avaliar se há excesso de endividamento de uma empresa, é quanto anos de geração de caixa são necessários para se pagar inteiramente o seu endividamento. É uma comparação simples entre dívida e capacidade de pagar.
Para uma empresa, geralmente se aceita que qualquer coisa acima de cinco anos é muita "alavancagem".
A geração de caixa de uma empresa é conhecida por uma sigla de contabilidade em inglês: EBITDA, um acrônimo para lucro antes de juros, depreciação e amortizações. A geração de caixa é, portanto, o lucro resultante da operação sem considerar as contas que não representam desembolso (como a depreciação), ou relacionadas à dívida.
Na contabilidade pública, o superávit primário é o que corresponde ao EBITDA das empresas. Ou seja, o superavit primário pode ser visto como a geração de caixa do governo.
Quando a dívida pública chega em 80% do PIB e o superávit primário é de 1,5% do PIB, o que temos é uma alavancagem de sessenta (60) vezes.
Uma empresa que tem dívida equivalente a sessenta vezes a sua geração de caixa é considerada totalmente inviável. Uma "alavancagem" dessa ordem é simplesmente impensável.
Para o Brasil, todavia, é pior ainda, pois nem temos um superávit primário de 1,5% do PIB, mas um déficit de 0,7% do PIB.
Claro que os países são diferentes das empresas. Mas não deve haver dúvida de que já estamos em uma região muito perigosa em matéria de endividamento.