Danilo como rondinelli

gustavo poli
O Rio amanheceu, dormiu e varou a noite em vermelho e preto. A profusão de camisas nas ruas antes da partida parecia um prenúncio. E veio o jogo. E veio a vitória sofrida, duríssima, magra, inesquecível. Uma vitória nascida de um gol em forma de citação. Os mais jovens certamente não lembram, mas o Flamengo já ganhou alguns títulos em escanteios. Até ontem, nenhum tinha sido tão marcante quanto o gol de Rondinelli no fim do Carioca de 1978.
Se o gol de Danilo ontem tivesse uma epígrafe... poderia ser a frase de Zico falando daquele dia em que cobrou o escanteio no Maraca:
" É o único gol que me arrepia.
Talvez agora haja outro, Galo.
O herói, como sói acontecer em decisões, nasceu numa distração. Antes da partida... os estatísticos e analistas apontaram que só dois jogadores tinham feito gols pelo Flamengo em final de Libertadores: o citado Zico e Gabigol. Mas... e pelo Santos? Ninguém prestou muita atenção mas, em 2011, numa final que o Santos ganhou do Penãrol... havia um outro goleador. Um certo lateral direito tinha marcado um gol. Em Lima, já mais veterano, esse atleta atuaria como zagueiro.
Aos 21 minutos do segundo tempo, a zaga do Palmeiras pareceu sofrer uma espécie de cãibra mental. De repente, na entrada da área, perto da meia-lua, Danilo se viu absolutamente só. Era uma ilha que tinha a vaga sombra do garoto Allan.
Arrascaeta cobrou o escanteio com uma parábola clássica " daquelas que fogem da área com objetivo de encontrar o cabeceador no ponto alto. Absolutamente sem incômodo, Danilo correu na direção da esfera e a encontrou no ponto mais alto. Estava sozinho, absoluto, para testar seu nome direto para o livro da história rubro-negra.
O gol é uma citação quase perfeita do gol de Rondinelli. Não totalmente porque o "deus da raça" sobe quase no segundo pau e cabeceia reto. Danilo subiu no meio da área e cabeceou cruzado. Lá, como cá... a defesa se distraiu. Ontem... quem foi? Allan deveria escorar Danilo? Algum zagueiro deveria sair da linha para enfrentá-lo? Na foto, quem sai mal é Bruno Fuchs, flagrado no chão, na cintura do adversário. Terá sido erro dele? Essa exegese caberá ao resignado Abel Ferreira na autópsia da derrota.
O Flamengo tem pouco ou nada a ver com essa ou aquela falha. Em decisão, ganha quem erra menos. Se o Fla criou pouco, o Palmeiras criou menos ainda " contando apenas com infinitas e incontáveis bolas na área. O Flamengo foi ligeiramente melhor e teve as melhores... quase chances.
O gol de Rondinelli abriu a galeria de títulos do melhor Flamengo da História... crismada em 1981. O gol de Danilo coroa o resgate desse orgulho iniciado há pouco mais de uma década " quando um grupo de apaixonados rubro-negros assumiu um clube endividado e começou a revolução que transformou o clube em potência continental.
O objetivo era justamente esse: brigar por tudo sempre, entrar no proverbial outro patamar. E 2025 não terminou: o título brasileiro deve vir na quarta e, se tudo der certo, os titulares terão tempo de descansar para o Intercontinental. Até lá, o rubro-negro saboreia a doce vingança sobre o Palmeiras exibindo a quarta taça na camisa, a terceira Libertadores em seis anos e fazendo graça de soberania.