Sem samba não dá
Agência O Globo -
"Sem samba não dá", diz o último lançamento de Chico Buarque
Agência O Globo -
"Sem samba não dá", diz o último lançamento de Chico Buarque. E essa foi a tônica do primeiro dia de desfiles do Grupo Especial. O samba fez toda a diferença - e quem não tinha garrafas para vender no quesito ficou pra trás. Foi o samba-enredo que transformou a Mangueira em forte candidata ao título do carnaval 2023. "Quando o verde encontra o rosa, toda preta é rainha",diz a poesia da Estação Primeira, exaltando o matriarcado baiano e aproveitando para celebrar o poder feminino da escola. Foi essa a senha para conquistar o público da Marquês de Sapucaí, que cantou junto com os componentes do início ao fim do desfile. O enredo desenvolvido de forma competente, uma bateria inspirada e um casal de mestre-sala e porta-bandeira em estado de graça - Matheus e Cintya arrepiaram a Avenida - foram o complemento ideal para uma agremiação que gritava seu samba.
A Mangueira se destacou tanto porque as outras escolas não conseguiram estabelecer a mesma comunicação com as arquibancadas. O caso da Grande Rio foi até surpreendente. A escola celebrou um dos artistas mais populares do país, Zeca Pagodinho, e apresentou uma plástica de qualidade poucas vezes vista na Avenida - Gabriel Haddad e Leonardo Bora confirmaram que têm talento muito acima da média. O samba até tinha bons momentos: melódico em alguns pontos, contagiante no refrão da "quitandinha de erê". Ou seja, os ingredientes estavam quase todos postos. Mas, apesar disso, a mágica não se fez. A escola agradou os olhos - a imagem de Zeca no carro com a Águia em cima é de chorar -, mas não conseguiu arrepiar o corpo inteiro.
Já as outras escolas da noite tiveram problema ainda maior. Os sambas-enredo Império Serrano, Mocidade, Unidos da Tijuca e Salgueiro não conseguiram quebrar o gelo com o público que ocupava arquibancadas e camarotes. Esse foi o calcanhar de Aquiles do Império, que homenageava Arlindo Cruz. O enredo pedia emoção, mas o samba não entregou. Apesar disso, a escola fez um desfile grandioso, que pode lhe cacifar para permanecer no Grupo Especial. Quem acabou se colocando nessa disputa foi a Mocidade Independente, que enfrentou este ano sérias dificuldades financeiras e de gestão. Se o desfile sobre os discípulos de Mestre Vitalino não foi o desastre que se anunciava no pré-carnaval - a escola estava bem vestida e com criatividade nas alegorias -, a apresentação foi morna demais, parecendo que os componentes estavam conformados com um mau resultado.
O Salgueiro não teve este problema, porque suas alas cantaram muito. Mas a dificuldade de compreensão do enredo "Delírios do paraíso vermelho" prejudicou todo o desfile. A Unidos da Tijuca foi outra que evoluiu muito bem, mas não conseguiu tirar o melhor de seu tema, a Baía de Todos os Santos, com pouca criatividade nos quesitos visuais.
O fato é que qualquer uma dessas quatro escolas teria se saído muito melhor se tivesse apresentado um samba que caísse no gosto do público - comparando com 2022, todas elas levaram para a Avenida canções menos potentes. Atualmente as escolas de samba gastam milhões de reais com alegorias, comissões de frente e fantasias, que realmente enchem os olhos, mas têm limitações em sua capacidade de levar uma escola a um bom desfile. Seja para a agremiação que sonha disputar o título ou para aquela que só quer escapar do rebaixamento, o samba-enredo pode ser o diferencial. É que no carnaval, sem samba - a Mangueira sabe bem disso - não dá.