O ‘antimanual’ de gestão do dono e ceo da hurb
Há pouco mais de um ano, a Hurb protagoniza um escândalo que frustrou os sonhos de viagem ...
Há pouco mais de um ano, a Hurb protagoniza um escândalo que frustrou os sonhos de viagem de milhares de consumidores. A crise, no entanto, é apenas a face pública de uma cadeia de problemas na cultura interna da startup, marcada por uma rotina de assédio moral e práticas corporativas no mínimo inusuais, personificadas na figura do dono, João Ricardo Mendes. A coluna entrevistou mais de uma dezena de ex-executivos que trabalharam diretamente com ele na Hurb, e o perfil que emerge dessas conversas " as fontes preferem se manter anônimas por medo de represálias " é de um CEO megalômano, cuja postura é indissociável do escândalo.
Segundo os relatos, foi Mendes que armou e alimentou a bomba financeira cuja explosão resultou na crise. No início da pandemia, quando o faturamento do setor caiu a zero, a Hurb foi na direção oposta e fez caixa com a venda de centenas de milhares de pacotes com datas flexíveis a preços incrivelmente baratos. O faturamento triplicou em 2020, a R$ 3 bilhões, sem que a companhia precisasse embarcar qualquer passageiro por causa da quarentena.
O plano teve respaldo do time interno da Hurb, que queria usar o enorme volume para barganhar junto às companhias aéreas e hotéis e vender serviços associados aos clientes. O problema é que Mendes decidiu que a política seria permanente " mesmo alertado que, no longo prazo, os pacotes não se pagavam.
" Ele só pensou em vender, nunca em como honrar os pacotes. Quando os problemas começaram, simplesmente não dava ouvidos. Todas as estratégias sugeridas para honrar pacotes, como alterações e oferta de opções aos clientes, ele rejeitava " diz uma fonte.
Já em 2021, a situação soou o alarme no conselho da Hurb, hoje dissolvido, com acionistas como Andre Laport pressionando para que os preços fossem ajustados gradativamente em uma tentativa de recuperar as margens e reequilibrar o balanço.
" Começamos a implementar o plano, mas o João começou a baixar os preços por conta própria no sistema. Certa vez, fizemos negociação com hotéis em Orlando, mas ele simplesmente mudou o número de diárias acordadas " diz outra ex-executiva.
Certa vez, Mendes atropelou o planejamento do time de marketing e, no meio da madrugada e com alguns poucos cliques, expandiu uma campanha de anúncios patrocinados no Google gastando, em segundos, R$ 300 mil, valor que seria usado ao longo de mais de um mês.
" Vocês são burros. Eu estava ajudando vocês " respondeu ele, quando confrontado.
Xingamentos e humilhações como esse eram frequentes, segundo as fontes.
Mendes tem o hábito de enviar mensagens e até ligar para subordinados de madrugada. Descontente com o esvaziamento do escritório às sextas-feiras " o Hurb tem regime híbrido ", o CEO já ameaçou demitir todos que estivessem em casa. Também às sextas, promove reuniões que se arrastam até as 23h, nas quais frequentemente humilha gestores na frente de chefiados com frases como "o trabalho está uma merda".
Nem sempre é assim, claro. Em tempos de bonança, Mendes é um chefe generoso, convidando subordinados para churrascos na Serra ou em Angra dos Reis. Mas amigos se transformam em "burros e idiotas" caso questionem suas práticas. Histórias de perseguição a ex-queridinhos abundam e estão registradas nas câmeras prediais, áudios e até em denúncias à polícia.
De acordo com as fontes, Mendes costuma repetir frases como "a ética é uma zona cinza". E-mail interno visto pela coluna ilustra essa postura na prática. Na mensagem, de 3 de janeiro de 2020, ele admite que mandou que uma estátua de Ayrton Senna fosse instalada na praia de Copacabana na madrugada, sem qualquer autorização da prefeitura. No e-mail, escreve que "a estátua do Senna não foi chumbada porque não me informaram como seria, pois minha solicitação era que fosse chumbada para que nem (Marcelo) Crivella, (Sérgio) Cabral ou qualquer vagabundo conseguisse tirar."
Posturas questionáveis como essa seriam agravadas por outras excentricidades. Usuário das chamadas "drogas da inteligência" " medicamentos estimulantes como Venvanse e Ritalina, em alta entre executivos " Mendes se gaba de varar noites sem dormir dentro do escritório resolvendo "desafios urgentes". Passa dias se alimentando de "shakes", sem banho e barba por fazer, espalhando roupas pelos corredores.
Oito fontes confirmaram esse uso excessivo de remédios. A exemplo do que ocorre com a cobertura sobre o uso de substâncias por Elon Musk, a coluna aborda o assunto por considerá-lo relevante para os desequilíbrios na cultura da Hurb que resultaram na crise.
As excentricidades teriam se agravado após uma sequência de tragédias pessoais. Uma delas foi a morte da mãe de Mendes, ocorrida em 2021 e citada por ele na carta que escreveu para justificar o fato de ter xingado um cliente da Hurb. Outro episódio é a morte da cadela de estimação Arya, esquecida por Mendes dentro do carro em dia de sol forte.
Questionada pela coluna sobre as histórias desta matéria, a Hurb não negou nem confirmou nenhuma delas, dizendo que "não compartilha informações internas por questões legais." A empresa também disse que "já foi reconhecida sete vezes no ranking Great Place to Work" e elencou medidas que teria tomado para "valorizar" as equipes, como um salário bruto extra por ano para fins educacionais e de saúde; férias ilimitadas "para prevenção de casos de cansaço extremo"; e licenças maternidade e paternidade estendidas.