O carnaval da política chinesa
Marcelo NINIO
Marcelo NINIO
Há algo em comum nos adereços usados por foliões de norte a sul do Brasil no carnaval: a grande maioria saiu da China, mais especificamente de uma mesma cidade, Yiwu. Nenhuma outra localidade está tão presente em festas de todo o planeta. Quando o Brasil sediou a Copa, em 2014, as bandeiras e faixas verde-amarelas eram quase todas de Yiwu. A cada Natal, 80% dos enfeites do mundo são de lá.
É uma "cidade mágica", diz à coluna o mineiro Claus Malamud. Ele vive em Yiwu há três anos, onde chefia um escritório voltado para a facilitação de comércio. A magia mencionada pelo empresário é sinônimo de lucro e acontece no mercado atacadista de Yiwu, que abriga 75 mil lojas numa área equivalente a 700 campos de futebol. Se a China é a "fábrica do mundo", Yiwu é "o supermercado do mundo", com o hábito de produzir milionários.
Mas manter o ritmo de crescimento econômico tem sido um desafio para o país desde o fim da pandemia. Pressões externas e a tensão geopolítica põem exportações em risco; uma persistente desconfiança dos consumidores inibe a demanda doméstica. Para reverter esse quadro, a expectativa é de que o governo lance novas rodadas de estímulos econômicos, desta vez mais ousados, a partir de amanhã. É quando as atenções estarão voltadas para a sessão anual do Parlamento chinês.
Enquanto o Brasil se despede da folia, a China estará iniciando o maior evento de seu calendário político. Na descrição do centro de estudos Asia Society, "é o mais próximo de um Carnaval na política chinesa. Milhares de autoridades, burocratas, especialistas, jornalistas e celebridades se reúnem em Pequim para uma semana de pompa política". A largada é dada pelo premier, Li Qiang, que aponta a direção econômica do país. Como em anos anteriores, o país continua tentando reforçar sua imunidade às turbulências externas, reduzindo sua dependência de exportações.
Mas a transição não tem sido simples. Os tambores da guerra comercial que rufam em Washington levam os comerciantes de Yiwu a buscar alternativas. Mesmo com novas barreiras a um de seus principais mercados, os exportadores confiam na competitividade chinesa para continuar vendendo para os EUA. Ao mesmo tempo, aceleram uma tendência iniciada no primeiro governo de Donald Trump, a diversificação. O Brasil está forte no radar, diz Malamud.
O bom momento das relações bilaterais ajuda. Em mais de duas décadas de experiência fazendo negócios com o país, ele conta que nunca viu tanto interesse de empresas chinesas no Brasil. Ainda que tenha perdido fábricas para países com mão de obra mais barata, a China continua no topo da competitividade manufatureira. "Mr. China", como Malamud é conhecido, aponta alguns fatores que fazem a diferença.
Para começar, a produtividade do trabalhador chinês é muito maior do que em outros países, explica. Assim, mesmo com salários mais altos, continua compensando produzir no país. Depois, há menos burocracia. Sem falar na infraestrutura "fenomenal", pensada para aumentar a eficiência e diminuir custos. Mesmo com a mão forte do Partido Comunista, a liderança reconhece que o motor da economia é o espírito empreendedor.
" Não conheço país mais capitalista " resume "Mr. China".