‘Baixar a cabeça para trump é a pior estratégia’
Entrevista
Entrevista
Autor, com o também cientista político Carlos Fortin e o economista Carlos Onimami, do recém-lançado,"O mundo não-alinhado" (tradução livre), o professor da Universidade de Boston Jorge Heine é negociador no tabuleiro global desde que participou do gabinete do democrata-cristão Eduardo Frei em 1999, seguido ao comando das embaixadas chilenas na China,na Índia e na África do Sul. Ele conversou com O GLOBO por telefone, de Seul, onde participava do Congresso Mundial de Ciência Política " cujo tema central foi a marcha autocrática em sociedades polarizadas " pouco antes de embarcar para Santiago afim de acompanhar a cúpula progressista de hoje.
Na conversa, o embaixador destacou a oposição aos BRICS como razão central da chantagem tarifária do governo americano ao Brasil. E também apontou paralelos claros entre a reação antiamericana da opinião pública no Canadá e na Austrália, fator decisivo nas eleições gerais nos dois países este ano, em que a direita perdeu, e os próximos pleitos no Brasil, ano que vem, e no Chile, em novembro.
Como o senhor vê até agora a reação do governo brasileiro à ameaça de taxação pelos EUA de 50% a partir de agosto?
Todas as negociações com o Trump 2.0 indicaram que ceder às pressões iniciais de Washington levam a novas pressões. É um erro crasso. Foi assim com o Panamá nos últimos seis meses. Imaginar que dizer "sim, senhor" fará o contencioso desaparecer é fantasioso. Por outro lado, é importante não fazer provocações desnecessárias. A situação é complexa e deve continuar sendo tratada por Brasília de acordo. Não adianta queimar mais pontes, algo contraproducente e ingênuo. E é importante o Brasil seguir destacando, na mesa de negociações, alguns pontos.
Quais?
Primeiramente, os absurdos da chantagem de Trump, o maior deles a demanda de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo se pudesse, intervenha no Poder Judiciário. Se dissesse sim, Lula se tornaria traidor e cúmplice ao mesmo tempo. Mais complicado do que sair em defesa do aliado, (o ex-presidente Jair) Bolsonaro, Trump atirou na separação dos Poderes no Brasil. É importante Brasília frisar que seria igualmente impossível se a exigência fosse reversa. Que os dois países podem discutir temas comerciais exaustivamente, mais jamais afrontar suas respectivas Constituições.
Mas como negociar quando o outro lado exige o impossível?
Repetindo a ilogicidade da discussão, a começar pelos EUA serem superavitários com o Brasil " se posta na mesa nos termos estabelecidos pelo próprio Trump, quem deveria impor taxas era Brasília. Batendo na tecla dos números reais como prova de que o Brasil discute com seriedade e assim seguirá. A realidade, aliás, é aliada do país neste caso e deixa Brasília em posição forte " inclusive por conta da diversificação de sua economia. Não é como o México, que tem 80% de sua produção umbilicalmente ligada ao mercado norte-americano.
O senhor menciona o México e uma crítica corrente é a de que Brasília deveria, como o fez, por exemplo, a presidente Claudia Scheinbaum, ter estabelecido laços com o Trump 2.0. O senhor concorda?
Sempre se posse dizer o óbvio, que estabelecer laços com parceiros estratégicos é um dever. Dito isso, é importante levar em conta o momento histórico. A Washington de Trump é regida por uma política externa imprevisível. Outros investiram em contato mais estreito com o Departamento de Estado e seguem às voltas com tarifas, entre eles o próprio México, com 30%.
E como avalia a tática de ficar quieto para evitar chamar a atenção de Trump?
A teoria de que, com Trump, o melhor é manter-se o mais discreto possível, foi e segue uma das mais discutidas na diplomacia e na academia. Mas não funciona, como se vê no Chile, que se manteve discreto e agora enfrenta uma tarifa de 50% sobre o cobre, do qual é o maior produtor. Mesmo assim, a direita chilena critica a reunião progressista de hoje, que lê como provocação desnecessária a Trump. A vê como um erro por chamar a atenção de Washington, enquanto deveríamos baixar a cabeça. O mesmo, aliás, que disseram quando (o presidente chileno Gabriel) Boric aceitou o convite de Lula para participar da cúpula dos Brics no Rio.
A oposição de Trump aos Brics, manifestada inclusive durante a reunião no Rio, foi tão central para o tarifaço contra o Brasil quanto a defesa de Bolsonaro e a oposição à regulação das big tech?
Para quem ainda tinha dúvida, ficou claro que os Brics não são o grupo favorito de Trump. Seria um erro, no entanto, aceitar que só os países do Norte podem se reunir, na Otan ou no G-7, e desenvolver estratégias globais, e os do Sul não, evitando assim desagradar os EUA. Essa é uma noção despropositada e servil. Os Brics representam quase a metade da população do planeta e têm força econômica muito maior do que a dos países não-alinhados durante a Guerra Fria, algo que incomoda Trump. Mas o efeito de suas reações até agora, entre elas a ameaça de tarifas a seus membros, tem sublinhado o ressurgimento e fortalecimento do Sul Global. Justamente por isso, se esconder, a essa altura,é declaração ao mesmo tempo de fraqueza e de falta de confiança. Baixar a cabeça para Washington e esperar que a tempestade passe é a pior estratégia, até porque o mau tempo não terminará logo.
Há paralelo entre as derrotas da direita afinada com Trump no Canadá e na Austrália, após a imposição de tarifas dos EUA a esses países, e o cenário político no Brasil?
Sim, e no Chile também. Como se apresentar como defensor da política "EUA primeiro" em versão sul-americana, se isso, comprovado pelas tarifas, significa necessariamente o Brasil, ou o Chile, depois? Qual o sentido lógico de fortalecer Washington às custas da economia nacional? Venceram nas nas urnas no Canadá e na Austrália os que se apresentaram como defensores dos interesses nacionais em casa, e do multilateralismo como saída tanto para a governança global quanto para a busca de mercados não-tarifados de forma irracional. Opuseram o lógico ao irracional. E as diferenças são nítidas. Não há caso conhecido em que um candidato majoritário venceu eleição com o mote "bem-vinda a humilhação". Não creio que Brasil e Chile serão as exceções à regra. É impossível vencer pleitos nacionais com um discurso de capitulação.
Jorge Heine/ CIENTISTA POLÍTICO