Lunes, 11 de Agosto de 2025

Guerra em gaza esgarça limites da violência de colonos na cisjordânia

BrasilO Globo, Brasil 11 de agosto de 2025

apoio tácito

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No final do mês passado, a morte do ativista palestino Awdah Hathaleen na Cisjordânia, que participou da produção do documentário vencedor do Oscar "Sem Chão", provocou muitas críticas mundo afora e uma reação particularmente dura da França. Na visão de Paris, assassinatos como os de Hathaleen por colonos israelenses são "atos terroristas". A violência envolvendo os moradores de assentamentos e os civis palestinos não é nova, mas a guerra em Gaza deu um novo impulso aos ataques, cada vez mais condenados por parte da comunidade internacional.
De acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha), desde 7 de outubro de 2023, quando ocorreu o ataque do Hamas contra Israel " que deixou quase 1,2 mil mortos e levou à operação militar em Gaza " 993 palestinos, incluindo 210 menores, morreram na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, que os palestinos reivindicam como capital de um eventual futuro Estado. No mesmo período, 35 israelenses foram mortos no território.
Na maioria dos casos (710), os óbitos foram causados por militares. Mas os colonos protagonizaram, de acordo com a Ocha, 757 ataques no primeiro semestre. Residências foram demolidas, plantações arruinadas e moradores expulsos de forma violenta " segundo a ONU, mais de 40 mil palestinos tiveram de deixar suas casas desde janeiro deste ano, número que inclui civis expulsos por militares e também por colonos.
" É uma guerra silenciosa, subnotificada, que acontece diariamente, sem muita informação sobre o que se passa na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental " declarou ao GLOBO Juliette Touma, diretora de comunicações da Unrwa, a agência da ONU para os refugiados palestinos. " E o deslocamento é o maior do povo palestino desde, especificamente, a Guerra [dos Seis Dias] de 1967.
Na ocasião, Israel ocupou o território, assim como a Faixa de Gaza, as Colinas de Golan e a Península do Sinai.
conivência estatal
Nem diplomatas foram poupados. Na quarta-feira passada, um veículo da representação russa junto à Autoridade Nacional Palestina (ANP) foi atacado perto de um assentamento, e Moscou demonstrou "perplexidade e desaprovação" pelo fato de o ataque "ter ocorrido com a conivência de militares israelenses".
" O que acontece na Cisjordânia é como se o Estado decidisse não reprimir uma violência [a dos colonos] que vê acontecer. O Exército e a polícia não fazem nada e permitem o avanço desse tipo de violência " disse ao GLOBO Gustavo Blum, especialista em Relações Internacionais e pesquisador na Unicamp.
Considerados ilegais pelo direito internacional, uma posição reiterada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) no ano passado, os assentamentos judaicos começaram a surgir na Cisjordânia após 1967. Nas décadas seguintes, o número de colônias disparou. Segundo a ONG israelense Peace Now, hoje há 141 comunidades reconhecidas pelo governo, além de 224 irregulares até pelas leis israelenses. E os ataques do Hamas em 2023, assim como a guerra em Gaza, parecem ter legitimado uma rotina de décadas de violência entre israelenses e palestinos.
Em agosto do ano passado, colonos atacaram a vila de Jit, nos arredores de Nablus, incendiando carros e casas, danificando estações de tratamento de água e deixando um palestino morto " na ocasião, o presidente de Israel, Isaac Herzog, usou a palavra pogrom, empregada para descrever massacres contra judeus nos Séculos XIX e XX. Em julho, Khamis al-Ayyad, um palestino-americano, foi morto por colonos nos arredores do vilarejo de Sinjil, frequentemente atacado por colonos.
violência política
Dias depois, Hathaleen foi morto por um colono do assentamento de Carmel ao questionar a presença de retroescavadeiras perto da vila de Umm al-Khair, incidente classificado pelo governo francês como "ato de terrorismo".
" A França tem um marco jurídico, a Lei Global de Segurança, de 2020, que permite fazer essas definições, enquadrando o ato como terrorismo, como o uso da violência para fins políticos, de forma a criar algum tipo de reação numa sociedade ou num governo " aponta Blum. " Esse questionamento acontece em vários países da Europa, de forma a questionar a atuação dos israelenses, inclusive em Gaza.
A declaração francesa não é inédita. Em 2012, o Departamento de Estado dos EUA listou uma série de ataques cometidos por colonos como "incidentes terroristas", incluindo atos de vandalismo e de violência. Doze anos depois, em 2024, o governo do então presidente Joe Biden aplicou sanções contra líderes de assentamentos, incluindo o assassino de Hathaleen " em fevereiro, as medidas foram revogadas pelo atual presidente, Donald Trump.
Além de motivações históricas e religiosas enraizadas há séculos, os colonos são incentivados por figuras de destaque da política israelense, e não apenas com discursos.
Itamar Ben-Gvir, um dos mais notórios extremistas do país e que ocupa a pasta da Segurança Nacional no Gabinete de Benjamin Netanyahu, vive em um assentamento na Cisjordânia. Em julho, ele anunciou uma força policial formada apenas por colonos, chamada por ele de personificação da "soberania real e do sionismo na prática".
" Se formos observar os movimentos da extrema direita no mundo, na qual incluímos Ben-Gvir, veremos que eles permitem que as coisas sejam feitas. Eles não necessariamente comandam atos, mas vão reduzindo as restrições, para que não sejam diretamente acusados " opina Blum. " Eles esgarçam os limites para o uso da violência, deixando nas entrelinhas que não vão impedir ações do tipo. Com isso, criam o ambiente para o uso cada vez mais disseminado da violência como instrumento político.
reconhecimento prático
Seu colega de gabinete, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse em fevereiro que os palestinos na Cisjordânia poderiam "ter o mesmo destino de Gaza" e, na semana passada, anunciou a reconstrução de um assentamento abandonado em 2005. Smotrich e Ben-Gvir estão em listas de sanções de vários países e apoiaram uma moção aprovada pelo Parlamento, no mês passado, em defesa da anexação da Cisjordânia.
" A posição das Nações Unidas sobre a anexação é muito clara. Recentemente, o secretário-geral da ONU, em seu discurso na conferência sobre os dois Estados, referiu-se a ela e lembrou ao mundo que a anexação é ilegal " afirmou Touma. " Isso só vai piorar muito a situação do povo palestino e do povo israelense.
No mês que vem, durante a Assembleia Geral da ONU, vários países, incluindo membros do G7, devem anunciar o reconhecimento do Estado palestino, ao mesmo tempo em que pressionam pelo fim da guerra em Gaza e também por reformas na ANP, que atua na Cisjordânia mas cuja legitimidade para liderar uma Palestina pós-Hamas é questionada. Embora sem garantias de que o reconhecimento trará resultados práticos, especialmente pela oposição de EUA e Israel, Touma vê a iniciativa como um passo importante:
" Antes tarde do que nunca. Mas pergunto: quanto tempo mais? Quantas crianças mais morrerão de fome ou sob as bombas até que o mundo tome uma atitude e ponha fim a essa miséria? A mais recente delas foi a guerra em Gaza e a situação na Cisjordânia, mas isso é algo que já dura décadas, sem solução, com várias tentativas frustradas da comunidade internacional de resolver o conflito. E chegou a hora.
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