Crise no nepal expõe geração z sufocada por desigualdades
Pelo menos 72 pessoas morreram durante os protestos violentos que abalaram o Nepal durante ...
Pelo menos 72 pessoas morreram durante os protestos violentos que abalaram o Nepal durante a semana passada, forçando o primeiro-ministro KP Sharma Oli a renunciar ao cargo. Além dos mortos, mais de 12.500 detentos que fugiram de várias prisões em todo o país continuam foragidos. Mas a proibição das redes sociais imposta pelo governo apenas acendeu o estopim da revolta entre jovens da Geração Z, que tomaram as ruas do país, numa onda de protestos que culminou no incêndio do Parlamento por uma multidão em fúria. Dias depois, o cargo vago de Oli foi ocupado interinamente pela ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça, Sushila Karki, indicada pelos próprios manifestantes, tornando-se a primeira mulher na função.
Declarando-se a voz da Geração Z do Nepal, os jovens expressaram não apenas indignação diante da repressão que encontraram nas ruas, mas também com os problemas sociais que afligem o país há 10 anos, desde que sua monarquia foi substituída por uma república. Embora a democracia tenha sido conquistada com muito esforço, ela não correspondeu às aspirações que levaram os manifestantes às ruas.
Enquanto os jovens do país dependem fortemente das remessas que cerca de 2 milhões de trabalhadores no exterior enviam para casa, imagens do filho e da nora do ex-primeiro-ministro Sher Bahadur Deuba ostentando uma vida luxuosa viralizaram na internet. Em fúria, a Geração Z compartilhava os vídeos, denunciando a corrupção dos líderes políticos. Alegando a necessidade de mais regulamentação, o então premier baniu a maioria das redes sociais. Os jovens reagiram. Após os protestos, seu governo acabou revogando a proibição, mas era tarde demais.
desemprego
A maior crise do país gira em torno dos empregos. Conseguir trabalho é uma tarefa hercúlea no Nepal, um país montanhoso com 30 milhões de habitantes, espremido entre a Índia e a China. Segundo a Pesquisa de Padrão de Vida do Nepal, publicada pelo Escritório Nacional de Estatísticas em 2024, a taxa de desemprego era de 12,6%.
Os números tendem a subestimar a gravidade do problema, já que representam apenas aqueles na economia formal, deixando de fora a maioria que trabalha sem registro oficial, principalmente na agricultura.
Sem encontrar oportunidades em casa, mais de mil jovens, homens e mulheres, deixam o país todos os dias para cumprir contratos de longo prazo nos países ricos em petróleo do Golfo Pérsico e da Malásia. Outras dezenas de milhares trabalham na Índia como migrantes sazonais. Dados do governo mostram que mais de 741 mil foram embora no ano passado, principalmente para buscar trabalho na construção civil ou na agricultura.
A maioria dos que ficam depende das remessas que esses trabalhadores no exterior enviam para casa. Em 2024, por exemplo, os US$ 11 bilhões (cerca de R$ 60 bilhões na cotação atual) enviados representaram mais de 26% da economia do país. Esse dinheiro compra alimentos e remédios e permite o acesso de crianças às escolas do Nepal.
Se houvesse algo a culpar por esse conjunto de problemas econômicos, muitos nepaleses, especialmente os mais ativos no protesto, apontariam a corrupção. Eles se revoltam diante do espetáculo de um pequeno grupo de nepaleses da elite, que acumulam vastas propriedades para seus filhos. A Transparência Internacional, uma organização independente sem fins lucrativos focada em responsabilizar governos, classificou o Nepal como um dos países mais corruptos da Ásia.
Uma série constante de escândalos, geralmente envolvendo conluio entre políticos eleitos e autoridades supostamente independentes, alimenta esse ressentimento. Pouquíssimas acusações resultam em processos bem-sucedidos.
Por exemplo, uma investigação parlamentar revelou que pelo menos US$ 71 milhões (R$ 380 milhões) foram desviados na construção de um aeroporto internacional na cidade de Pokhara. Empréstimos do Banco de Exportação e Importação da China evaporaram nas transações entre autoridades, políticos eleitos e construtoras chinesas. A investigação recomendou uma apuração mais aprofundada e ações específicas contra os acusados, incluindo o diretor-geral da Aviação Civil. Mesmo assim, ninguém foi indiciado.
jogo eleitoral
Em outro caso, líderes nepaleses foram flagrados recolhendo dinheiro de jovens que aspiravam buscar emprego nos EUA, sob o pretexto de um status de refugiado, concedido a nepaleses étnicos que haviam sido deportados à força do vizinho Butão. Documentos falsos forneciam aos cidadãos nepaleses desempregados a identidade de butaneses deslocados. Políticos de todos os partidos foram citados nas investigações, mas apenas membros da oposição foram indiciados.
Os nepaleses comuns sabem como poderiam se beneficiar de um governo com melhores recursos financeiros. Os gastos com saúde e educação são altos. Os agricultores carecem de fertilizantes essenciais durante a temporada de plantio de arroz. A inflação dificulta a sobrevivência de qualquer pessoa em Katmandu, para onde os jovens se mudam em busca de educação superior e emprego.
Desde que a nova Constituição entrou em vigor, em 2015, três líderes se revezaram na chefia do governo: Oli, Pushpa Kamal Dahal e Deuba. Para os mais jovens, esse jogo eleitoral de tronos, em que o mandato de cada primeiro-ministro dura apenas um ou dois anos, é irritante.
Oli, então premier, é um usuário ávido de redes sociais. Pessoas próximas dizem que ele lê os comentários que se acumulam em todos os vídeos que publica. Em novembro de 2023, Dahal, então premier, proibiu o TikTok para, segundo ele, "restaurar a harmonia social". Foi justamente Oli, quando retornou ao cargo, que revogou a proibição, nove meses depois.