Mulheres 50+ se redescobrem com canoa polinésia
travessia pessoal e coletiva
travessia pessoal e coletiva
Na beira da Urca, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o mar reflete mais que o céu: tornou-se espelho de recomeços. É ali, no Rio Va’a, primeiro clube de canoa polinésia da América Latina, que um grupo de mulheres com mais de 50 anos redescobriu força, propósito e pertencimento em uma fase da vida marcada por rupturas " aposentadoria, separações, filhos que já seguiram seu caminho. Na maturidade, elas remam contra o etarismo e encontram, sobre as águas, a chance de começar de novo.
A simbologia vem de longe. Na Polinésia ancestral, que abrange Havaí, Taiti, Samoa, Fiji e centenas de ilhas do Pacífico, as canoas de madeira cruzavam oceanos levando povos, saberes e histórias. Hoje, no Rio, essa tradição de cooperação " a canoa só avança quando todas remam juntas " se traduz em uma travessia pessoal e coletiva.
Entre as que descobriram nessa embarcação uma nova vida está Suzane Menezes, 64 anos. Enfermeira, atravessou a pandemia de Covid-19 na linha de frente e saiu abalada, com sobrepeso e sem planos para a aposentadoria que se aproximava. Caminhadas e dieta ajudaram, mas foi na canoa que ela encontrou transformação: perdeu 40 quilos, passou a acordar às 4h45 para treinar seis vezes por semana e coleciona dezenas de medalhas.
" Encontrei potência e vida na canoa " diz.
Já competiu em Saquarema, Búzios e Angra dos Reis, mas guarda no coração a travessia do Leme ao Pontal:
" A beleza do Rio é surreal.
O que mais valoriza, no entanto, é a sintonia das companheiras.
" Se cada uma remar de um jeito, a canoa não anda. Só com muita conexão avançamos " ressalta.
O mesmo sentimento move Lena Tocci, 61, professora de Educação Física. Após o fim de um casamento de mais de 30 anos, com os filhos fora de casa e a solidão da pandemia, encontrou no mar um espaço de expansão. Começou a remar em Copacabana e depois buscou performance no clube da Urca.
" Em uma idade em que o mundo tenta nos encolher, eu me expandi " resume.
A canoa lhe deu saúde e também a oportunidade de uma vida social mais efervescente. Diariamente, treinos pela manhã. Uma vez por semana, jantar, samba ou show à noite, sempre em companhia das parceiras que compartilham amor pelo mar. Essa rede de apoio virou uma família escolhida, o que, na cultura polinésia, se chama ohana, laços que vão além do sangue.
rito de passagem
Para Alessandra Lincoln, 52, a relação com a canoa começou cedo, aos 38, quando seus filhos ainda eram pequenos. Sem rede de apoio no Rio e com o marido viajando a trabalho, ela encontrou no esporte um refúgio. Chegou a levar as crianças com colete na canoa quando não tinha com quem deixá-las. Hoje, é vice-presidente do Rio Va’a, treina quase todos os dias, compete e dá aulas. O maior desafio como atleta foi percorrer os 60 km entre Salvador e Morro de São Paulo.
" A canoa traz uma paixão diferente " conta.
O clube que acolheu essas histórias completa 25 anos em 2025. Além de formar atletas de ponta, o Rio Va’a se dedica a quem busca saúde e bem-estar. Mantém projetos sociais com crianças de escolas públicas, pessoas com deficiência e transplantados, e organiza mutirões de limpeza e campanhas como o Setembro Amarelo. Segundo Alessandra, hoje a maioria dos alunos é de mulheres acima dos 60 anos.
Mais do que um esporte, remar se tornou um rito de passagem. Da vida dedicada ao trabalho e aos filhos, elas atravessam para uma fase em que podem, finalmente, escolher por si mesmas.
" É quando a mulher passa da fase de ter que cumprir muitas funções e decide finalmente o que quer viver. A canoa é símbolo dessa travessia " diz Lena.
Alessandra completa:
" É quando a gente finalmente tem tempo de ser inteira.
No mar, não apenas se exercitam. Celebram a potência de serem quem são. Como as canoas polinésias de outrora, seguem juntas rumo ao desconhecido, enfrentando águas turbulentas ou dias cinzentos, confiantes de que, mais cedo ou mais tarde, o vento muda, o céu azul se abre e o mar se acalma.