Lunes, 27 de Octubre de 2025

Cerco migratório nos eua alimenta ciclo de violência doméstica

BrasilO Globo, Brasil 27 de octubre de 2025

"A partir de agora você vai saber o que é ter um homem dentro de casa." A ameaça dita por ...

"A partir de agora você vai saber o que é ter um homem dentro de casa." A ameaça dita por Alejandro, um mexicano naturalizado americano, marcou o início do inferno vivido por Mariana Kraschowetz, brasileira de 42 anos, em Utah. Eles haviam acabado de se casar. Mariana chegou aos EUA em 2015, com visto de turista, sem falar o idioma fluentemente, acompanhada do então marido e seus quatro filhos. Quando o casamento acabou, foi impedida pelo ex-companheiro de voltar ao Brasil com as crianças.
Sem rede de apoio, conheceu Alejandro pelo Facebook, que se dizia religioso e prometia estabilidade. Logo após o casamento, no entanto, surgiram as ameaças:
" Ele dizia: ‘Se você não me obedecer, vai pagar as consequências.’
perda da guarda
Foi a assistente social da creche dos filhos que a orientou sobre a Lei de Violência Contra as Mulheres (Violence Against Women Act, o VAWA, na sigla em inglês), que permite às vítimas em situação migratória irregular solicitar residência legal sem depender do agressor.
A reportagem reúne relatos de brasileiras que, em diferentes instâncias, enfrentaram o ciclo da violência doméstica nos EUA. Para algumas, as leis e centros de acolhimento oferecem alguma saída " ainda que lenta e parcial. Para outras, especialmente as que estão em situação irregular, o sistema falha. Para todas, o caminho é tortuoso: enfrentam burocracia, discriminação, problemas com o idioma, insegurança legal e o trauma da solidão.
O VAWA, lei federal de 1994, oferece um caminho para que imigrantes vítimas de violência doméstica por cônjuges ou pais " quando estes são cidadãos americanos ou residentes permanentes " solicitem o green card (residência) sem que o agressor saiba ou precise autorizar. É uma ferramenta essencial, porém limitada.
O processo exige comprovação de violência e de que o casamento foi de boa-fé " laudos, boletins de ocorrência, testemunhos, mensagens e fotos ", explica a advogada Isabela Alves McCarthy, de Nova York, que trabalha com casos humanitários e colabora com a ONG Bridges of Hope.
Mariana entrou com pedido de VAWA em abril de 2021 e, três anos depois, em 2024, seu green card saiu.
" São muitas inseguranças: medo de perder a guarda dos filhos, ameaças de deportação e de internação em hospício. Sem contar as barreiras do idioma " conta Mariana.
Os poucos mecanismos existentes têm sofrido restrições com o endurecimento da política migratória. Em 2018, o então secretário de Justiça Jeff Sessions reviu o precedente que reconhecia a violência doméstica como crime qualificador para asilo. Em setembro de 2025, o novo governo republicano anulou a interpretação de que mulheres vítimas configuram um "grupo social particular" protegido.
" Isso fechou a porta para muitas brasileiras " lamenta Rose Newell, especialista em violência doméstica com mais de 20 anos de atuação na Flórida e fundadora do Projeto Vida, que busca orientar brasileiras vítimas de violência.
‘filme de terror’
Newell conta que, nos últimos tempos, a maioria das vítimas vem cancelando os compromissos judiciais por receio de encontrar agentes da imigração.
" A corte virou um filme de terror " diz a advogada. " As mulheres se isolaram 100%.
Joana (nome fictício) vivia nos EUA há cinco anos quando conheceu o americano Alex em 2020. Ele apareceu como um "príncipe encantado", fez planos rápidos para vida a dois e a convidou a morar com ele. Foi quando começaram os abusos: agressões verbais, morais e físicas. Durante o isolamento da Covid-19, ele intensificou o controle:
" Ele usava a pandemia como desculpa para os ataques. Me fez deixar o trabalho, minha casa, meus amigos. Eu tinha vergonha de contar para minha família no Brasil o que vivia.
Mesmo com medo " pois estava com status irregular " Joana decidiu fugir. Primeiro, buscou abrigo para vítimas de violência, mas eles estavam lotados. Então, encontrou em Miami o Centro Coordenado de Assistência às Vítimas (CVAC, na sigla em inglês), que oferece desde apoio jurídico, migratório e financeiro até cursos de capacitação.
" Eles me deram tudo, desde recurso financeiro, terapeuta, indicação de advogado migratório e criminal. Perguntavam: ‘Você tem comida? ‘Tem para onde ir?’ " conta.
No dia da fuga, Joana registrou boletim de ocorrência. Como o caso não foi considerado flagrante, o agressor não foi preso. Ela desistiu de denunciar formalmente e optou por uma ordem de restrição, que o impedia de se aproximar:
" Foram cinco horas de audiência, ele com um bom advogado pago, eu com um do governo. Foi terrível, mas no fim a juíza deu a ordem de restrição definitiva.
Mas nem todas conseguem acessar os mecanismos de proteção. Ana Paula Lima, de 42 anos, chegou aos EUA em 2020 ao lado do então companheiro brasileiro naturalizado americano, grávida e com quatro filhos de outro casamento. Ela fugiu de casa, sem conhecer direito o país ou o idioma, depois de ser agredida na frente das crianças.
" Ele não deixava a gente dormir nem comer. Me batia, me enforcava.
Ao fugir, tentou uma ordem de restrição, mas foi anulada por falta de evidências. Sem apoio jurídico ou recursos financeiros, buscou ajuda em ONGs, consulados, faculdades de direito " sem êxito. Hoje, divide a guarda da filha de seis anos com o agressor, embora a criança diga que "tem medo de ficar com o pai".
" A família dele pagou o melhor advogado do estado da Flórida. Estou sozinha. As mulheres aqui estão todas na mesma situação que eu. Não conseguem advogado, tiveram que entregar os filhos, e os agressores estão livres.
serviços fragmentados
Para quem busca proteção migratória, além do VAWA existem dois caminhos possíveis: o Visto U, voltado às vítimas de crimes graves ocorridos dentro dos EUA; e o asilo político, alternativa para quem sofreu violência no Brasil.
Newell reconhece que a fragmentação dos serviços é um dos principais obstáculos enfrentados pelas vítimas. Ela defende a criação de um atendimento centralizado: advogado, terapeuta, psicóloga, tudo em um só lugar e que tenha reconhecimento em todo o território americano.
" Não existe uma ONG sólida e específica dedicada à mulher brasileira.
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