Com os juros altos, a febre dos fundos imobiliários acabou?
Os fundos imobiliários, que há poucos anos eram tratados como a "menina dos olhos" do ...
Os fundos imobiliários, que há poucos anos eram tratados como a "menina dos olhos" do investidor pessoa física, agora vivem outro momento. A febre por essas carteiras passou, e o romance, que antes inflamava o varejo, deu lugar a uma relação estável, daquelas que lembram um casamento prestes a comemorar bodas de ouro. Os dividendos continuam pingando na conta e a engrenagem da classe segue girando, mas a empolgação parece ter ficado para trás.
Essa mudança fica evidente quando se olha para o comportamento da base de investidores, que hoje cresce no ritmo mais lento desde que os fundos imobiliários se popularizaram.
Entre 2019 e 2025, o número de cotistas saltou de 645 mil para 2,87 milhões, um crescimento de 345%, que consolidou a indústria como uma das principais portas de entrada em investimentos de risco no país. Na comparação ano a ano, no entanto, a fotografia mostra um cenário de forte desaceleração.
Em 2023, houve aumento de 24% da base de investidores, enquanto em 2024 esse percentual caiu para 13,6%. Neste ano até outubro, o avanço é de apenas 3%. O resultado frustra as expectativas de boa parte do mercado, que esperava atingir a marca simbólica de 3 milhões de cotistas em 2025. O público que já lotou fóruns de discussões e lives hoje parece mais seletivo e menos disposto a embarcar em qualquer ativo.
Mauro Dahruj, gestor da Hedge Investments, comenta que essa postura reflete mais um sinal de maturidade do que o fim de um romance entre o investidor e os fundos imobiliários:
" Houve uma diminuição na velocidade de entrada, mas ainda há crescimento, com cerca de 100 mil novos CPFs este ano, mesmo com juros a 15% " afirma. " Isso mostra como a base está consolidada.
Para William Eid Junior, professor sênior da FGV Eaesp, pesa a concorrência direta da renda fixa:
" Basta olhar para o rendimento dos títulos públicos neste ano, com liquidez diária e praticamente nenhuma dor de cabeça operacional.
Ele lembra ainda que o investidor brasileiro, em geral, não tem perfil de longo prazo e reage a estímulos imediatos, com efeito manada:
" Existe um componente forte de Fomo (sigla em inglês para fear of missing out), o medo de ficar de fora. As pessoas entram em um investimento não por racionalidade, mas porque viram outros ganhando dinheiro. É assim que surgem essas febres que vão e voltam.
Em termos de captação, o setor já levantou R$ 40,3 bilhões neste ano até o início de novembro, um volume que praticamente encosta nos R$ 44,3 bilhões captados em 2024. O ano começou fraco, com emissões escassas e investidores retraídos, mas a recuperação recente recolocou o mercado em um patamar semelhante ao do ano anterior. De qualquer forma, essa cifra está distante do auge de 2021, quando a indústria captou R$ 52 bilhões, mas também longe do colapso de 2022, quando o volume caiu à metade.
Juros altos jogam contra
Hudson Bessa, professor universitário e sócio da HB Escola de Negócios, lembra que a explosão dos fundos imobiliários foi, antes de tudo, um fenômeno promovido pelo ciclo de baixa dos juros:
" Entre 2018 e 2021, o Brasil viveu taxas de juros nas mínimas. Quando o risco é bem remunerado, o investidor corre atrás. Nesse período, a Bolsa bombou, os fundos multimercados cresceram, e os fundos imobiliários viraram queridinhos, com dividendos gordos e cotas acima do valor patrimonial.
O cenário mudou radicalmente quando a Taxa Selic começou a subir, entre 2021 e 2022, saindo de 2% para 13,75% ao ano, um choque que reorganizou toda a lógica de risco e retorno no mercado.
Hoje, com a Selic em 15% ao ano, a dinâmica é a mesma. Para Carolina Borges, analista da EQI Investimentos, o crescimento mais lento de novos cotistas é uma questão conjuntural:
" Quando olhamos os fundos de renda fixa, eles estouraram em captação, porque é ali que o investidor busca retorno, mesmo que nem sempre com menos risco.
Além dos títulos públicos e dos fundos de renda fixa, o investidor tem a sua disposição, entre outros, títulos de dívida de empresas privadas e as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), que têm isenção do Imposto de Renda.
" Não é uma decisão fácil abrir mão de um retorno próximo de 15% ao ano na renda fixa para assumir o risco dos fundos imobiliários " admite Bessa.
Segundo Borges, a atratividade da renda fixa obrigou os gestores de fundos imobiliários a serem mais criativos. Algumas casas têm recorrido a operações de troca de cotas, estratégia em que a compra de ativos é feita mediante participação em outro fundo.
Entre as captações no ano, Fernanda Rosalem, chefe de investimentos da gestora Paladin, explica que mais de um terço vêm dos fundos de papel (que compram títulos do setor imobiliário, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários, os CRIs), mas há uma retomada dos fundos de tijolo (que compram os imóveis em si) em curso. Isso, diz, mostra que a classe está voltando a se diversificar.
Mesmo com a concorrência da renda fixa, Bessa considera a situação atual dos fundos imobiliários menos desanimadora do que parece. Segundo ele, o valor de mercado dos fundos, que havia caído para 75% do valor patrimonial no ciclo de alta dos juros, agora está perto de 90%, o que mostra recuperação de preços.
" Quando tem pagamento de dividendo estável e preço das cotas subindo, o investidor olha para a classe com outros olhos " diz Bessa.
Ele explica que os fundos de papel se beneficiaram da perspectiva de queda dos juros em 2026, e os de tijolo, muito afetados na pandemia, reduziram a vacância e apresentaram melhora operacional.
O brilho do retorno
O desempenho dos fundos imobiliários ajuda a explicar por que, apesar da perda de tração no número de investidores, a classe ainda preserva brilho. O Ifix, índice que acompanha o desempenho dos fundos, acumula retorno de 15,3% no ano até outubro, segundo levantamento da Hedge Investments.
" Mesmo sem queda efetiva da taxa de juros, os fundos recuperaram preços e vão fechar o ano com rentabilidade robusta " afirma Dahruj.
Entre os setores, a rentabilidade é maior entre os fundos focados em imóveis, como os de shoppings (19% de alta), galpões logísticos (17,6%) e renda urbana (15,8%). Os fundos de CRIs oferecem o menor retorno, de 14% no ano.
Borges acredita que o momento ainda é favorável para quem busca oportunidades, especialmente nos chamados fundos de tijolo. E ressalta que "os preços ainda estão longe do pico do último ciclo imobiliário."
A EQI vem aumentando a exposição a esses fundos em suas carteiras recomendadas, de olho no potencial de retorno quando a Selic começar a cair, possivelmente no primeiro trimestre de 2026.
Bessa observa que os ativos de risco vivem hoje um processo de recuperação mais amplo, sustentado pela combinação de expectativas de queda dos juros, melhora das condições macroeconômicas e retorno do fluxo estrangeiro. Com a inflação caminhando para a meta e um ambiente menos hostil para os investimentos, afirma, as pessoas voltam a ver valor nos ativos de risco:
" Não é que o amor tenha acabado, é uma questão de momento " afirma Bessa.
A Hedge Investments projeta que 2026 vai marcar o início de um novo ciclo positivo para os fundos imobiliários como um todo.
Rosalem, da Paladin, destaca a importância da isenção fiscal para a atratividade dos fundos. A medida provisória (MP) 1.303, que previa a tributação desses ativos, "atingia o coração da classe", diz. A MP foi derrubada pelo Congresso.