Sul da bahia é berço do cacau fino de chocolates ‘premium’
O município de Uruçuca, no sul da Bahia, é um dos berços do chocolate fino no Brasil. É ali que, ...
O município de Uruçuca, no sul da Bahia, é um dos berços do chocolate fino no Brasil. É ali que, há mais de duas décadas, a premiada Fazenda Leolinda, do produtor João Tavares, cultiva um cacau especial que atende exclusivamente marcas premium de chocolate.
É o caso do Chocolate Q, da chef brasileira Samantha Aquim, que, em 2012, foi degustado e elogiado pela Rainha Elizabeth II. A iguaria, além das amêndoas baianas, tinha também um design exclusivo do arquiteto Oscar Niemeyer.
A principal diferença entre o cacau fino e o cacau commodity está na escolha da variedade e no manejo pós-colheita, que influenciam diretamente a qualidade e o sabor do produto final. Enquanto o primeiro passa por uma seleção cuidadosa, em que só os frutos maduros e sadios vão para fermentação e secagem, o segundo não tem triagem: todos os frutos são processados juntos, sem controle de maturação, o que reduz a qualidade e o sabor do produto final.
A Associação Bean to Bar Brasil, presidida por Bruno Lasevicius, é uma das clientes de João Tavares. A entidade faz a ponte entre produtores de cacau fino e fabricantes de chocolate. Segundo o especialista, o que caracteriza o chocolate bean to bar (do grão à barra) é a ausência de manipulação industrial:
" Para ter o valor que tem, quanto menos intervenção, melhor. Geralmente, chocolate bean to bar só tem cacau e açúcar.
Salto na cotação dificulta
Enquanto o ciclo do cacau commodity se resume à colheita, pós-colheita e o contato direto com uma moageira, o processo do cacau fino é longo.
" O produtor colhe, seca, matura, e envia uma amostra para nós. Só depois fazemos o chocolate. É um ciclo que pode levar até seis meses, e por isso pagamos mais " diz Lasevicius.
Há dois anos, porém, a produção de cacau fino no Brasil começou a esbarrar na alta explosiva dos preços da commodity. As cotações saíram do patamar de US$ 3 mil por tonelada na Bolsa de Nova York para os atuais US$ 8 mil, o que levou os cacauicultores a produzirem em maior quantidade, sem a qualidade que o mercado premium exige.
Em 2023, a associação pagava até quatro vezes o preço da commodity, estimulava o produtor a cumprir todos os procedimentos para obter um cacau fino. Atualmente a associação paga cerca de 50% de prêmio sobre o valor de US$ 8 mil na Bolsa, segundo Lasevicius.
A produtora Juliana Arleo, que separa cinco dos 170 hectares de cacau cultivados em sua propriedade para realizar o manejo refinado, conta que sentiu no bolso a diferença após a alta dos preços:
" A gente não tem conseguido agregar o mesmo valor ao produto. Antes, o cacau especial custava o dobro do da commodity, hoje a diferença diminuiu, mas ainda existem pessoas dispostas a pagar, justamente por reconhecerem que uma matéria-prima de qualidade interfere no resultado do produto.
Para Lasevicius, alguns fornecedores da associação perderam interesse em produzir cacau fino depois da explosão de preços da commodity. Mas ele acredita ser uma perda momentânea:
" Com a variação dos preços, o interesse em produzir cacau fino volta logo.
João Tavares conta que quando o cacau era negociado a US$ 2 mil em Nova York, ele recebia um adicional de US$ 2,5 mil por tonelada. Hoje, com a cotação em torno de US$ 8 mil, ele ainda recebe um incremento de US$ 4,5 mil por tonelada pelo seu cacau especial:
" Produzir cacau fino exige conhecimento e investimento. Não dá para abraçar os dois lados, ou você escolhe qualidade, ou alta produtividade " afirma.
Hoje, ele colhe em torno de 450 quilos de cacau por hectare, um rendimento superior à media do produto commodity, de cerca de 350 quilos, em média. Segundo Tavares, "seria possível produzir muito mais", mas não teria a qualidade desejada.